quarta-feira, 23 de janeiro de 2013


 ⁄  Este país só será de velhos

Este país só será de velhos


Daniel Oliveira
 

Talvez a maior ingenuidade dos portugueses tenha sido a de acreditarem na competência técnica das instituições que compõe a troika. Bastaria olhar para a forma a crise alastrou na Europa para duvidar da sagacidade da Comissão Europeia. Basta observar a obstinada ortodoxia do Banco Central Europeu para não confiar na sua capacidade criativa. E basta conhecer o trágico historial das intervenções do FMI para saber o que esperar dali. Porque o mundo está cheio de incompetentes? Não. Porque estas instituições estão dominadas pela mesma fé e foram esvaziadas de qualquer tipo de bom senso político.
Não será a sua proposta mais radical ou absurda. Mas diz bem da sua capacidade analítica. O FMI quer que o subsídio de maternidade passe a ser taxado em sede de IRS. A medida, como quase tudo o que é disparate, já constava do memorando de entendimento. Até este governo - na sua versão mais centrista, que é, como se sabe, o CDS - considerou que a medida não era prioritária e não a levou para a frente. Apesar da insignificante receita que tal medida traria, o FMI recuperou-a e insiste na sua aplicação.
Se os técnicos do FMI soubessem alguma coisa sobre Portugal - com o hábito de aplicar a mesma receita em todo o lado nunca sabem nada sobre os países onde intervêm -, saberia que um dos problemas estruturais mais graves deste País é a sua baixíssima taxa de natalidade. Problema que resulta em vários outros, do qual o mais relevante, pelo menos para as contas públicas, é a insustentabilidade da nossa segurança social.
Mesmo a partir de 2003, em que a taxa de natalidade subiu em quase toda a Europa, Portugal (com o Luxemburgo e Malta) manteve a sua queda. E continuou sempre nos três piores países da União. O número de nascimentos em 2012 deverá ter ficado perto dos 90 mil, o mais baixo em mais de 60 anos.
"As taxas de natalidade de Portugal são tão baixas há tanto tempo que, mesmo que a imigração, em queda, volte a subir, não será suficiente para manter a população", disse Maria Filomena Mendes, presidente da Associação Demográfica Portuguesa, ao The Wall Street Journal. Com uma taxa de natalidade de 1,32, apenas mais alta do que a da Hungria e da Letónia, em 2030 devemos ser menos um milhão do que somos agora. Em 2009, os Estados-membro com as taxas de natalidade mais altas eram a Irlanda (2,07), França (2,00) e Reino Unido (1,96). As mais baixas eram as da Letónia (1,31) Portugal e Hungria (1,32) e Alemanha (1,36). A taxa de natalidade necessária para garantir a manutenção do nível populacional é de 2,1.
Junte-se a isto o aumento brutal da emigração, a queda da imigração e o aumento da esperança média de vida para perceber que não faltará muito para que haja quase tantos reformados como pessoas no ativo. Quem vai produzir para manter a economia a funcionar e as contas públicas sustentadas? Quem vai pagar as nossas reformas? Quem vai tomar conta de nós quando a saúde nos impedir de trabalhar?
Há três formas de resolver este problema: ter um crescimento económico que garanta que os emigrantes regressam e os imigrantes escolhem Portugal como destino, ter uma política que reduza a esperança média de vida ou ter uma política que apoie de forma muito generosa a natalidade. A primeira não é, como qualquer um pode observar, a aposta do FMI e deste governo. A segunda, não sendo aceitável, pode bem vir a ter, com a crise e os cortes na saúde, algum futuro. E a terceira é contrariada pelas propostas do FMI.
O aumento da natalidade apenas pode resultar de duas coisas: ausência de planeamento familiar - penso que dispensamos esta opção - ou crescimento económico, otimismo, estabilidade no emprego e direitos laborais que protejam a maternidade. A terceira alternativa, sendo de eficácia moderada, não é dispensável para um país que vive a brutal crise demográfica que Portugal conhece:investir a sério no apoio à maternidade e nas condições para a educação e saúde das crianças. Quando assistimos a cortes na educação, a fechos de escolas e maternidades e àdegradação de todos os apoios sociais à parentalidade, percebemos que esta gente é incapaz de pensar para além do orçamento de cada ano. São contabilistas (sem desmerecer os contabilistas), e mesmo como contabilistas são incompetentes. Nada sabem sobre as prioridades de uma governação minimamente sensata.
A nossa crise demográfica é tão ou mais grave do que a nossa crise financeira. É, aliás, um dos factores para a crise das contas públicas. E está a ser agravada pela crise económica, o desemprego de quase 40% dos jovens e a fuga de trabalhadores qualificados. Esta medida simbólica, coerente com tudo o que está a ser feito para destruir qualquer possibilidade de futuro para este País, é apenas mais um exemplo da nossa caminhada para o abismo. Até sermos um enorme cemitério. E mesmo isso não sei se será possível. É que até os coveiros têm de comer.


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