quarta-feira, 30 de abril de 2008

O BOATO - 2ª Cena cómica/trágica da sociedade em geral

De imediato, aparecem a sua colega Odete e a Dona Isidora, do arquivo, muito confrangidas. Oh senhor Gargarito, está tão amarelo! Odete, vai buscar um copo de água. Gargarito pensou para dentro 'Porra! O que é que eu faço para a merda desta tosse passar?' Mas em vez disso, sorriu para as colegas e disse: Estou tão agradecido pela vossa atenção, muito obrigado, muito obrigado e levantou-se rapidamente, enfiando-se no seu gabinete e fechando a porta. Tirou o sobretudo e o chapéu. Realmente estava um dia de frio. Devia ter passado por uma farmácia e comprado um xarope, mas ... talvez ... logo à noite, com leite quente e mel e qualquer paracetamol ... e suar muito! a minha mãe dizia 'suar muito cura'... e talvez um bocadinho de vick no peito eu esteja fino.' E tossiu outra vez. Quando se preparava para sentar, o chefe bateu à porta. Levantou-se de um jacto. Ó Gargarito, ouvi dizer que estavas doente? Ora esta, já está preocupado que eu não trabalhe... sim, porque os chefes - ho-ho - interessam-se mesmo pela nossa saúde... abriu a porta e disse com um largo sorriso: Oh, como está, senhor Andrade, não se preocupe, muito obrigado, isto é só uma questão de um dia ou dois, estava na casa-de-banho e apanhei uma corrente de ar. Claro, claro, e com esse corpinho ... o ar passou-te por uma das riscas do pijama, disse gargalhando o chefe Andrade. Gargarito gargalhou também e tossiu tanto, tanto que o Andrade saiu aflito e disse para a dona Odete: Cuidado, que este homem deve estar com uma gripe, daquelas gripes que se fala na televisão. Ah, não diga senhor Andrade, olhe que eu tenho crianças em casa, e ele pode-me pegar...Entretanto, outros colegas vão chegando. O senhor Ilídio, da contabilidade, a dona Ausenda, secretária, o paquete João, e a empregada de limpeza, dona Amélia. A confusão tinha-se instalado. O senhor Gargarito estava já com qualquer coisa grave nos pulmões. Dona Ausenda, de cinquenta e oito anos bem secos, usando uma moda da sua meninice e caminhando sempre graciosamente imitando passos de bailarina, bateu levemente à porta: Senhor Gargarito. Senhor Gargarito. Não será melhor fazer um Raio X? Gargarito fechou os punhos e disse suavemente: Não, senhora dona Ausenda, não se incomode, isto é só uma pequena constipação. Olhe que um dos sinais de cancro é muita tosse, como a sua. O paquete sussurrou para dentro da sala onde estavam Odete e Alzira: O senhor Gargarito tem um cancro. Ah, coitado, tão boa pessoa.O chefe Andrade passa pelo corredor e diz: Mas o que é isto aqui hoje? Estamos em reunião sindical ou quê? Não, senhor Andrade, murmura Dona Alzira, é que o senhor Gargarito está com uma doença muito grave. Uma doença grave? Diz dona Amélia, ajeitando a permanente, e fazendo um trejeito com a boca: Um cancro, quem havia de dizer...Cancro? - Ripostou o Matos do outro lado da sala. - com aquele corpinho é mas é uma tuberculose! Sim, deve ser nos pulmões... ele não se deve alimentar bem... - elevou-se um coro feminino - não tem mulher em casa ... é sozinho ...Andrade, sem mais delongas, entra abruptamente na sala de Gargarito e pergunta-lhe de frente: Gargarito, você está com uma doença grave e não me quer dizer?Gargarito olha espantado e de repente fica com o olhar turvo e responde, com muita firmeza: Claro que não! Claro que não! Pelo sim, pelo não, você fica dispensado hoje para ir fazer os exames necessários. Mas isto passa só com um copo de leite e mel! Com essa tosse? Nem pense.

terça-feira, 29 de abril de 2008

O BOATO - 1ª Cena cómica/trágica da sociedade em geral

Armando Dominguez Gargarito era um homem dito 'porreiro'. Uma espécie que, habitualmente, é vista pelos vizinhos e colegas de trabalho como uma boa pessoa. Naquele dia, Gargarito estava constipado, mas sem febre. Tinha uma tosse seca que o irritava, porque as securas que lhe assaltavam a garganta faziam com que, ao sair do prédio, os vizinhos assomassem à janela e dissessem: Senhor Gargarito, está doente?Gargarito detestava que lhe falassem pela janela. Obrigado, Dona Alzira. Vou indo bem, isto não é nada. Mal sabia a dona Alzira do olhar nauseado dos olhos através dos óculos de Gargarito. Estupor de mulher, não terá meias para coser? E esta faceta de Mr Hide só ele a conhecia. Parou à porta da leitaria da esquina, mas nesse dia não entrou. Estava farto de dar explicações sobre a sua tosse, e foi tomar, pela primeira vez, o pequeno-almoço à Suíça, para depois descer a pé até ao escritório na Praça da Figueira. O Rossio estava cheio de pombos que mergulhavam o bico na água das duas fontes e Gargarito pensou com os seus botões: Se eu fosse Presidente da Câmara, mandava exterminar estes bichos. Que praga! Já me cagaram o carro todo. Entrou no escritório e prepara o largo sorriso no elevador. Ao entrar encontra o Matos que lhe dá uma grande palmada nas costas, o que lhe provoca um grande ataque de tosse. Eh pá, desculpa! Não sabia que estavas assim tão desequilibrado!Gargarito sorri, espetando as unhas na palma da mão, e diz: Oh meu amigo, não é nada, isto está quase a passar. Foi uma corrente de ar quando estava na casa-de-banho. Precisas é de arranjar gaja - disse rindo alarvemente o Matos com grandes baforadas de cigarro, provocando novo ataque de tosse em Gargarito, levando-o quase ao engasgão sufocante.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Os museus hoje?

Esta questão deve continuar a ser discutida. As classes mais desfavorecidas visitarão o museu porque querem ou porque lhes é imposto? Mesmo que pensem que o museu não é para elas, também assim raciocinam perante um teatro, cinema ou ópera e nem por isso há um convite constante para elas visitarem esses equipamentos culturais sem pagar. As pessoas têm de ter a liberdade de escolha. Até há uns anos eu pensava o contrário, pensava que era bom seduzir os públicos através de produtos culturais que eles pudessem reconhecer facilmente, hoje acho que devemos realizar exposições que transportem as pessoas para um mundo onírico, de sonho em que a ficção e a realidade se entrecruzem. Os museus devem ser espaços de lazer, de bem estar, que façam esquecer a semana de trabalho. Como fazer? Temos que encontrar soluções. O museu académico da obra de arte excepcional já deu o que tinha a dar. O museu proletário com as memórias estafadas já está gasto. Vamos contar histórias e sonhar. Os públicos necessitam cada vez mais de sonho e fantasia.
O que acham desta questão?

Hoje quanto vale um corpo e qual é o seu prazo de validade ?

Fiquei aterrorizada com as notícias da venda de crianças em África pelos próprios pais, fruto de uma miséria que se estende por todas essas paragens antigamente colónias da velha Europa. A história repete-se, hoje não é o colonizador que transforma a carne humana em mercadoria, que tem que render e dar lucro, mas também os pais alineados pelas condições sobrehumanas em que vivem, vendem os filhos, o corpo dos filhos por uma quantia ridícula. Hoje quanto vale um corpo? Uma nova escravatura e um novo tráfico nascem no século XXI, a de corpos humanos, sejam crianças de tenra idade para trabalharem de sol a sol, seja de corpos de mulheres e crianças para a prostituição, seja de corpos de homens para o trabalho escravo e inhumano, na sua maioria oriundos dos países do oriente , América Latina ou África.
É altura de perguntar: hoje quanto é que vale um corpo e qual é o seu prazo de validade?

sábado, 26 de abril de 2008

Às Vezes

Às vezes tenho idéias felizes,
Idéias subitamente felizes, em idéias
E nas palavras em que naturalmente se despegam...

Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...

sexta-feira, 25 de abril de 2008

A ti meu filho que fazes anos a 25 de Abril, as mesmas palavras que sempre te digo neste dia - 25 de Abril sempre.

Soneto da Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.


Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.



E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama



Eu possa (me) dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

As sem razões do amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

CENA VI - ÚLTIMA CENA

Teresa esperava ansiosa o marido no hall da Gulbenkian. Estava nervosa, o concerto começava às sete e ele chegava atrasado como sempre. Olhou em volta, aquelas pessoas eram as mesmas dos anos sesssenta, só que com mais quarenta anos em cima. Cumprimentam-se com um beijo, só um e vestem da mesma maneira. Fato saia e casaco, blusas de seda, casaco de peles ou estolas ainda empoeiradas pela naftalina. As mulheres são todas louras aos sessenta anos, particularmente as desta classe social, concluiu Teresa. Pensativa, sussurrou ao seu ouvido Marcelo. Marcelo, disse com voz zangada, chegas sempre em cima da hora e eu detesto esperar. Não me aborreças querida logo hoje que foi um dia em cheio. Está bem, respondeu Teresa condescendente, vamos entrar. A sala compunha-se, as peles brilhavam na plateia. Marcelo, gostavas que eu fosse loura? perguntou com voz baixinha. Hum, hum até gostava, respondeu o marido distraído olhando para uma jovem de calças justas acompanhante da avó que de bengala em riste apontava os lugares, é ali Mafalda, o seu avô é um teimoso e agora não sei onde é que ele está. Esta gente cheira a passado. Já viste a média de idades que está nesta sala? O marido não deu continuidade à conversa porque estava mais interessado a conferir as mensagens do telemóvel. O que ele me irrita quando não dá resposta, pensou Teresa, desliga o telefone Marcelo o concerto vai começar, disse-lhe com voz azeda.As luzes apagaram-se e o concertista de casaca polida entrou. O concerto começa com Bach, nos intervalos entre partituras uma outra música ecoa de forma intensa na sala, a tosse. Muito tossem estes velhos, disse Teresa para o marido com voz baixa, por isso é que são velhos, respondeu-lhe com ar irónico a cara metade. Schhhhh, schhh, ouvia-se na plateia cada vez que a tosse irrompia. Os velhos sossegaram e outros barulhos começavam lentos, muito lentos, eram os dos rebuçados a serem tirados do papel. Teresa encostou-se e concentrou-se na música fechando os olhos, agora era Mozart, como ela gostava de Mozart. A Isolda podia vir com eles, mas não, ela nunca queria sair com eles. De repente abriu os olhos sobressaltada, um peso caia-lhe para cima do ombro esquerdo, era a cabeça de Marcelo a dormir. Pisou-lhe o pé danada e ele disse um ai dorido e logo se ouviram schhs e mais schss, olhou em volta como a pedir desculpa e viu metade da plateia a dormir, um quarto a tossir e a comer rebuçados e pensou. Que concerto, menina, que concerto.
Isolda subiu as escadas do CCB devagar, era sábado e chovia torrencialmente. Debaixo do chapéu de chuva ganho com a compra da revista Máxima prepara-se para ver a exposição, de repente vê ao longe Marcelo a sair da porta do edifício. Vem acompanhado, murmura surpreendida, a jovem que caminha junto ao seu cunhado tem a idade da sobrinha. Olá Marcelo por aqui? pergunta-lhe com voz irónica. Marcelo pára surpreendido e balbucia algumas justificações. Sim, viemos para uma reunião extraordinária aqui perto, como terminou muito tarde resolvemos almoçar e a Rita sugeriu que fossemos ver a exposição da Frida. Muito prazer, Isolda Freire, disse estendendo a mão para a jovem acompanhante do cunhado, a exposição é boa? Rita Espadeiro, muito prazer em conhecê-la, o Marcelo já me tinha falado de si, partiu uma perna há pouco tempo, não foi? Não sabia que te preocupavas tanto comigo, disse Isolda sem responder à pergunta de Rita. Bom, atalhou o homem atrapalhado, a exposição é pequena, muito pequena, e é quanto a mim mais uma biografia da Frida Khalo do que uma exposição da obra dela, o filme é bom, tem boa informação, mas está lá um dos meus quadros preferidos, a coluna partida...muito bem disse Isolda, a seguir vou ao Museu do Chiado ver os fauves. Já vimos repetiram os dois ao mesmo tempo, hum, disse a cunhada olhando-o nos olhos, e que tal? Já vi melhor, mas tem com a excepção de Matisse alguns pintores de segunda linha muito interessantes, com influências claro, retorquiu Rita com uma voz bastante excitada. É pena que a Teresa não possa vir, retorquiu Isolda, dirigindo-se a Marcelo. Ela tem estado adoentada, com gripe, é alérgica como tu sabes, respondeu irritado. Sim, sim, bom adeus, prazer em conhecê-la, disse Isolda afastando-se num rompante. Entrou e sentou-se um bocado aguardando que a fila diminuisse, mas porque é que eu fiquei irritada, cogita abstraindo-se de tudo ao seu redor. Quero lá saber que ele ande a dar umas voltas com esta miúda. A minha irmã que se cuide e trate da sua vida. Rivera e Frida, Frida e Rivera, casados por duas vezes, a fidelidade é uma utopia? Fui criada na ideia de que o amor era para sempre e o casamento idem, idem, aspas, aspas e tanto desgaste sofri com estas premissas absurdas. O importante é a construção de qualquer coisa que se pode chamar a dois, encorpar a tolerância e aceitar o outro como ele é. Que bonito, que utópico, mas se a Frida conseguiu, com outras amizades pelo meio, a monopolização do amor e do outro é um caminho perigoso. Frida, como tu regeitaste a comiseração, como tu enfrentaste a vida com talas de madeira e corpetes de tiras duras. Sinto-me tão só e tão melancólica, sinto-me sempre tão só e melancólica. Tenho de iniciar outra corrida. Olá Iso, estamos a encontrar-nos muitas vezes. Levantou os olhos e o João estava sorridente na sua frente, abraçado a uma menina, esta é a Mariana a minha filha, vamos ver a Frida Khalo, já viste? Isolda esconde o bilhete no bolso e responde eufórica, cheguei mesmo agora, vamos.Tenho estado a pensar numa coisa, disse Isolda com voz doce para João. Em mim, perguntou João com ar sedutor. Ora, riu-se Isolda, em ti penso em toda a hora, respondeu muito depressa aproximando a sua cara da dele. Então o que é? Estamos aqui na Cornucópia, a ver a Gaivota, os dois primeiros actos já terminaram, aguardamos o terceiro e não há tosse. Tosse, perguntou espantado. Sim, eu explico, disse misteriosa. As pessoas que vêm às estreias do teatro do Bairro Alto são tal como na Gulbenkian públicos habituais de há trinta anos, mas estes não tossem qundo fecha o pano e os outros, os da Gulbenkian fazem-no sistematicamente entre os intervalos de dois andamentos. João ficou a cogitar e respondeu triunfante. Fazem frete. Frete, perguntou Isolda admirada. Sim Iso, os da Gulbenkian são na maioria burgueses de direita que vêm por status, encontrar amigos, picar o ponto se assim se pode dizer, mas o frete para alguns é grande. São diabéticos, sofrem de reumático...oh João que análise, respondeu Isolda Rindo. Aqui, continuou João são os militantes de esquerda, os habitués que gostam mesmo, estão concentrados, não pensam na doença enquanto estão aqui. Olha para os fatos, não vês peles, nem jóias em demasia, mas sim os cachecóis, alguns palestinianos, estás a ver a diferença. Nunca tinha pensado nisso. Comigo vais pensar muita coisa. Isolda sorriu e deu-lhe a mão. Então quer dizer que Marx se fosse vivo vinha à Cornucópia e não à Gulbenkian? Bom, se gostasse muito de música clássica ia mascarado. Ah, ah, de quê? De Kant, respondeu João com grandes gargalhadas.

CENA V

A mulher sentada no banco do barco que atravessa o Tejo, com os quatro filhos ainda crianças. Olha para a outra margem, mas não olha, as crianças puxam-lhe pelos braços e chamam por ela e a mulher não olha nem diz nada. Isolda reparou nessa mulher ainda nova e sentiu alguma ligação com ela, o olhar que não olha, os ouvidos que não escutam os gritos dos filhos. Mãe, ó mãe, olha para mim. Deixem-me por favor disse com um ar displiscente. Ela ama-os, certamente que os ama, mas não está ali, está desatenta ao óbvio. O barco parou e aquele olhar cavado volta à realidade. Dá a mão à tua irmã, não se afastem de mim. Ó mãe eu queria um gelado. Isolda lembra-se de dizer à mãe, ó mãe, mãe, eu queria um sorvete. Como as palavras mudam, e a minha mãe, hoje não há sorvetes. Só aos domingos. Mãe vamos fazer de conta que hoje é domingo.O sol bate em cheio na Praça do Comércio, as pessoas passam a correr e no meio delas a mulher com os quatro filhos. Os filhos puxam-na para o quiosque dos gelados e ela vai, com o ar ausente compra quatro cornetos de morango. Cones de baunilha com duas bolas de nata e morango. Isolda atravessa a rua e perde de vista a mulher. Se eu encontrasse agora alguém que me dissesse, quer ir comer um gelado comigo? Atravessa o arco de triunfo e caminha apressada para a Praça da Figueira, a Margarida já deve estar à espera de mim,pensou. Tira o telemóvel da mala e marca o número. Gui, vou apanhar um táxi no Rossio, querida, não demoro a chegar, hoje tive uma reunião no exterior, vai comprando os bilhetes. Sente um suspiro enfastiado, também tu Margarida, a afilhada querida, também tu.
O filme é surpreendente, não parece nada com o que o Woody Allen habitualmente faz, disse Isolda com uma voz entusiasmada. Tens toda a razão tia, as mortes com aquela dose de premeditação são inesperadas, respondeu Margarida. Acho que ele agora está a fazer um filme em Barcelona, parece-me que não tem grande êxito nos Estados Unidos. Ó tia com aquelas broncas com a Mia Farrow. Vamos comer qualquer coisa? Queres ir aos cozidos a vapor? Já sentadas no restaurante, Isolda observou a sua afilhada, tão bonita que ela era, tão eficiente como gestora de um moderno SPA em Lisboa, tão diferente da sua irmã. Ela sim , poderia ter sido sua filha. Tinham tanto em comum.Tia, está ali um colega meu, um mestre de Tai-Chi, disse acenando para um homem grisalho, de porte atlético. Num segundo ele estava junto delas, olhando-as com um ar sereno. Esta é aminha tia e madrinha, Isolda Freire. Ele estendeu a mão e disse sorrindo, Jorge Vagino, muito prazer. Isolda num primeiro momento engoliu em seco, mas não aguentando mais, desatou a rir convulsivamente. A cena era hilariante. O homem com a mão estendida, a sobrinha estupefacta e a tia a rir sem conseguir parar, como naquela cena do Leopardo, quando a Cláudia Cardinale, no papel de Angélica, noiva de Tancredi, se ri sem parar no fim do jantar, em casa do principe de Salina após ouvir uma anedota sobre freiras.Tia, sussurrou Margarida, estás a ser inconveniente. Isolda tomou consciência do que estava a acontecer, muita gente do restaurante olhava para ela. Levantou-se rapidamente e disse, desculpem vou ao toilette.
Não chores filha, já sabes como ela é, disse-lhe Teresa fazendo-lhe uma festa na cabeça. Ó mãe mas foi uma vergonha para mim, ele é meu colega de trabalho, como é que eu o vou encarar amanhã? De uma forma muito simples, dizes que a tua tia anda em tratamento, partiu uma perna há pouco tempo e ainda está com stress. Margarida tinha os olhos marejados de água e tremia-lhe o beicinho quando falava. Ela às vezes não respeita ninguém. Não respeita nada nem ninguém, acrescentou a progenitora assertiva, ela é uma mulher centrada nela, só se vê a ela. Já reparaste que quando nos telefona só fala dela, nem sequer pergunta como estamos, ou então é para dizer mal de toda a gente, aquela minha irmã não gosta de ninguém. Não é verdade, eu sei que ela gosta de mim, respondeu Gui mimalha. Sim, mas mesmo isso é para competir comigo, mas tu gostas mais da mãe do que dela, não é filha? Margarida olhou para os olhos de boga da Teresa e hesitou, mas de imediato abraçou-a e disse, ó mãezinha claro que é de ti que eu gosto mais e agora vou levar imenso tempo a voltar a encontrar-me com ela.Teresa abraçada à filha sorriu.
Ah, ah, isso tem mesmo muita graça,disse Miguel rindo com satisfação. Talvez tenha, mas o que é certo é que a Margarida ficou a odiar-me, respondeu Isolda triste. Não te preocupes, está zangada hoje, bem disposta amanhã, não te martirizes, não te vitimizes, retorquiu o amigo. Bom, bom, já pareces a minha família a falar, vou mas é trabalhar porque tenho uma reunião logo à tarde, respondeu Isolda, dando por finda a conversa. Antes de me ir embora queria fazer-te uma proposta. Indecente, perguntou a amiga com voz maliciosa. Já sabes que não, porque a minha religião não me permite. Ora, ora, diz lá o que tens a dizer e despacha-te. Queres ir comigo à Noruega para o mês que vem? Noruega, mas que ideia, fazer o quê? O meu sobrinho vai dançar na Ópera de Oslo e eu prometi-lhe que o ia ver, então agrada-te? Pensando bem é uma boa ideia, para o mês que vem não é? Não digo nada a ninguém e vou. Tenho é que pedir uma semana de férias. Olha que até é uma boa ideia, nunca viajei contigo nem conheço o teu sobrinho, mas dança clássica não é o meu forte, concluiu Isolda. Isso não tem importância, o mais importante é sairmos daqui, este país está doente e nós não podemos ficar contaminados. Olha lembrei-me de uma coisa, disse Miguel com ar misterioso. E se convidássemos o Vagino para ir connosco? Isolda gritando atirou-lhe uma borracha à cara.

terça-feira, 22 de abril de 2008

CENA IV

Penso que está na altura de eu voltar, como é que tudo vai por aí? Hum, hum, como sempre claro, mas já percebeste em que país estamos? Bom, vou desligar, diz a todos que chego a quinze, estou farta de estar em casa. Se não te importares, agradeço, às oito e vinte, oito e vinte cinco, adeus, adeus. Vou voltar a trabalhar, sou funcionária pública, aquela classe maldita que é o bode expiatório da crise financeira em que Portugal vive. Maria, Maria, gritou enfastiada, traga-me um chá. A partir do dia quinze, não precisa de ficar cá a dormir, vou voltar ao serviço. Veja lá se a senhora ainda não está bem, não é só da perna, dos nervos..., mas que nervos mulher, preocupe-se com a sua vida, retorquiu desabrida, porque é que ela a irritava tanto, porque é que não tinha tolerância com as suas limitações, era o fingimento, o instinto de sobrevivência que faz com que as pessoas rastejem verdes de encoberta raiva. Ela odiar-me-à? Nunca saberei. Chora tão rápida como uma torneira, quando me declara o seu amor. A minha afilhada Margarida, também não gosta dela, embirra com a maneira como ela arruma os talheres, parece que os deita para a vala comum, tudo ao rebolão, diz-me em tom de crítica. Tão perfeccionista que é a Gui, dela gosto, são tão poucas as pessoas de quem eu gosto. Aqui está o chá minha senhora, ponha aí disse ela e sorriu.
Já estou pronta para outra, não me perguntem nada, caí e pronto a história acabou.Continua azeda como sempre, comentaram entre si as colegas. Tem é de arranjar um homem. Elas estão a pensar que eu estou mal disposta como todos os dias e certamente é por não ter um homem, porque é que a tristeza de uma mulher de forma persistente é sempre encarada como falta de homem. Olham para mim e dizem, coitada não tem ninguém. O que sabem elas da minha vida. Um homem será tudo? Drª. Isolda ainda bem que chegou, já está em forma? Olá Dr., já estou bem , obrigada. Óptimo, óptimo, já fazia cá falta. Mentiroso, pensou, o que querias é que eu não voltasse, porque é que eu estou rodeada de mediocres, porque é que não me sinto bem em lado nenhum? Empatia, porque é que eu não tenho empatia com a maior parte das pessoas, serei normal? terei que fazer análise como o Woody Allen permanentemente, descobrir as profundezas do lago, Freud chegou ao método psicanalítico propriamente dito, e passou a orientar a seus pacientes que falassem sobre qualquer coisa que lhes viesse à mente, mesmo que pudesse parecer sem importância, sem relação com seus problemas, ou que fossem reprováveis. Os frascos, essa recordação levou-me a uma casa. Não quero pensar mais nisso. Hoje tem de ser um novo dia. Discou um número, Miguel sempre queres fazer Yoga? Então quantas vezes por semana, natação? talvez, Yoga e natação, três vezes por semana. OK, vamos combinar. Começamos amanhã, hoje, pronto está bem, seja. Vamos a seguir ao emprego. O Miguel era bom amigo, era um homosexual assumido, sem preconceitos nem peias, gosto de amigos assim, posso falar com eles de tudo, o que devo vestir, que perfume comprar, sobre o período pré-mestrual, quando o tinha, é verdade já passei a menopausa. Que arrepio. Drª. Isolda quer um cafézinho, não obrigada, não bebo café. O telemóvel toca estridente, Isolda olha o número no visor e resolve atender, Margarida, querida, vens saber notícias da madrinha? Estou bem, muito bem. Olha queres ir qualquer dia a um cinemazinho, o último do Woody Allen acho que é diferente de tudo, está bem, quando tu puderes. Beijinhos, adeus. Vamos então ao relatório, vamos perder sete horas de vida neste gabinete.
Mais do que o amor o importante é o conhecimento, sentes-te viva se conheces o mundo que te rodeia e se vives nem que seja por um bocado a dor do outro. Conheceres outras pessoas interagir com elas por momentos, por dias ou talvez por mais tempo é uma forma de amor. Ela sempre procurou outras formas de amor e se não as encontrava na altura que mais precisava, recriava-as de uma maneira natural. O alimento interior é tão importante como o pão que se come diariamente e ela sempre se alimentou de outras coisas, verdades ou efabulações, o importante mesmo era não parar, nem ceder. As angústias, o passado nas suas partes mais lunares não podiam sedimentar-se no corpo. Perdoar é o acto de mais pura libertação e afecto. Não confie na pessoa, mas confie nos ensinamentos/Não confie nas palavras, mas confie no significado, disse o Budda. Budismo ou Cristianismo. Ambas as religiões se encontram no sofrimento, na compreensão do sofrimento para dele tirar virtudes. Estás muito mística disse-lhe Miguel, sorrindo, tenho pensado na minha intolerância ultimamente, respondeu-lhe Isolda com voz calma, tenho de me concentrar mais no presente e afastar-me das feridas do passado, o que tiver que acontecer acontecerá «et voilá», disse dando uma gargalhada. Fez-te bem teres partido a perna, sim sem dúvida, respondeu alegre, mas também deu para analisar os meus bloqueios. É da crise, disse Miguel, a crise bloqueia-nos, olha eu tenho o cartão de crédito bloqueado, riram-se os dois e nesse momento sentiu-se feliz. Decidiu então assinalar num dos seus caderninhos, hoje tive um momento fugaz de felicidade.

CENA III

Que queda, menina, que queda, disse a irmã com um ar tristonho. Vinha-te convidar para ires passar connosco o fim de semana, mas assim. Claro que não vinha nada com a ideia de fazer o convite,pensou a sinistrada, estas coisas por vezes são ditas quando alguém não pode ir e aquela ou aquele que a convida não o quer convidar. Isolda olhou-a impávida. Não dizes nada, inquiriu Teresa com a voz já esganiçada. Eu estou preocupada contigo, como é que te vais arranjar sózinha? A Maria fica cá. A Maria? E a família dela? Então, pago-lhe e pronto.Vou a Berlim para a próxima semana, o Marcelo tem uma reunião e eu vou com ele, acho que..., tens que levar uma dúzia de dicionários, és um zero em linguas. Obrigada, minha querida, obrigada pelas palavras amáveis, nem sei porque é que venho visitar-te? Berlim, vou dizer ao João que afinal quero ir a Berlim, já fui tantas vezes a Londres, íamos ver a Maria Stuart do Schiller, ficávamos depois a conversar na Postdamen Platz, num qualquer café.Isolda, estás-me a ouvir?
E eu que não queria, nunca quis ter esta família. Ficamos agarrados como cracas numa rocha e não nos podemos separar. Estás a ouvir ou não, Isolda? Olha que eu vou-me embora. Minha senhora, telefone para si, disse Maria solicita. Oh mulher, como é que quer que ela vá ao telefone? Diga que ela não pode deslocar-se. Está bem minha senhora. Fechou a porta. Que burra que é esta mulher.A porta de novo a fechar-se e a madre superiora, no seu gabinete, muito lavada, demasiado lavada. Tinha um tronco de árvore ao pé da janela. Da Catalunha, do lugar onde o meu irmão tombou, morto pelos comunistas. Os olhos azuis, não , talvez cinzentos, cortantes como o aço. Já não tens pernas para usar meias pelo joelho, amanhã vens de meias altas, assim como Deus quer.Vou ouvir música, muita música e vou ler, vou ler o Kafka, Franz Kafka, a Metamorfose, já estou enjoada do Saramago. Vou pedir à Maria que me traga muitos filmes, vou fazer uma lista. Vou ver os filmes do Visconti. Começo pelo Leopardo. "Se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude".
O que é a solidão? É um estado interior, devastador e de continuidade persistente. Como vencer a solidão, ou melhor, como travar uma batalha com êxito, com uma única pessoa, que somos «nós», eu e mais eu. Aprender a viver só, no meio de muita gente é como aprender a ser pobre, no meio do consumo e da riqueza. Quero ser pobre e só, com uma certa qualidade de vida. Riu-se. Qualidade de vida para a solidão e pobreza. Maria, Maria, chegue aqui. A mulher semi descabelada, aproximou-se. A partir de hoje só vou comer pratos vegetarianos. Como é que come isso? perguntou medrosa, a sombra entre portas, só vegetais, arroz, fruta, algas e outras coisas mais. Eu digo-lhe onde comprar, e traga-me da loja da Avenida, aquela do artesanato indiano, uma shiva. Tem que me dar dinheiro, respondeu a mulher, desaparecendo desalentada.Shiva dança dentro de um círculo de fogo, símbolo da renovação e, através de sua dança, Nataraja cria, conserva e destrói o universo. Vou fazer yoga, depois da perna estar boa, vou fazer yoga. Afinal estou a fazer projectos, estou a dar uma volta à minha vida, suspirou contente.Não, Srª. D. Teresa, a doutora não me parece bem, comentava a sombra ao telefone. Pediu-me que eu lhe comprasse coisas muito esquisitas. Tenho que defumar a casa, eu sei quais são as ervas, sim, sim. Eu trago de Corroios, há lá muita loja brasileira. A erva da Guiné também é muito boa.
Tem que fazer um esforço maior, disse-lhe a técnica de fisioterapia com um sorriso aberto. Ai como dói, quando é que estarei livre desta batalha? As lágrimas teimavam em cair e a perna de repente levantou-se quase praticamente sem ajuda, muito bem, continue. Tenho de ir a um Instituto tirar esta celulite. Vou fazer uma lipoaspiração, peço para me retirarem esta gordura do organismo que se depositou nas células, tanta coisa que eu quero fazer e não faço nada, primeiro tenho de voltar ao emprego. Vou telefonar ao Miguel, ele tem sido simpático, todos os dias me dá um toque ou me manda uma mensagem. Parti a perna por causa dos frascos. Que disparate, nunca mais me quero lembrar daquela alcofa.Ao fundo Maria segue atentamente os esforços de Isolda, eu tenho pena dela, pensa a empregada com um ar condescendente, sózinha naquela casa. Ela estará com pena de mim, não quero comiseração nenhuma, que maçada ter que recorrer a esta mulher, mas mais vale esta do que a Teresa e o príncipe consorte, o que eles têm de melhor é a filha, a minha afilhada. Tem sido querida, sempre a falar comigo pelo messenger.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

CENA II

As riscas largas estão na moda este ano. Sempre gostara de riscas, azuis e brancas. Não as usava muito porque a engordavam, pensou ela enquanto espreitava as montras na Avenida. De repente uma voz longínqua - lembras-te de mim, claro que ela se lembrava, abraçou-o emocionada, os passeios a pé às tantas da manhã em Lisboa, da Praça do Chile a Campo de Ourique. No autocarro para casa, voltou a pensar nas riscas largas e numa dieta, num ginásio e num trabalho diferente. Uma viragem de cento e oitenta graus. Talvez até mudar de casa. Podia convidar amigos para jantar, comprava uma mesa grande onde coubessem cinco a seis pessoas. Se tivesse uma casa decente teria convidado hoje o João, há quanto tempo não o via. Divorciado pela segunda vez, podia reflectir com ela o constante fracasso das relações amorosas. Estava exausta, o que queria na realidade era dormir. O autocarro deu uma curva apertada quando se preparava para sair e desiquilibrou-se caindo desamparada no chão, fechou os olhos e viu o rei e a rainha no alto do armário da cozinha a rirem-se de forma desengonçada - cuidado, podem cair para cima de mim, gritou ela e eles a rir a rir. Acordou numa maca no corredor dum qualquer hospital.
Está a abrir os olhos - Srª. D. Isolda, está-me a ouvir, perguntou-lhe uma mulher de bata branca inclinada sobre ela, sim, sussurrou, lembra-se do que aconteceu, a senhora caiu, a voz estridente ecoava nos ouvidos, a senhora caiu, sabe porquê? Foram os frascos, lá em cima no armário, está a delirar concerteza, então esta queda não foi dentro de um autocarro? perguntou para os bombeiros que a tinham trazido na maca. A s-e-n-h-o-r-a c-a-i-u n-o autocarro, disse prestimosa a enfermeira falando com voz arrastada. Ela tem alguém de família lá fora? Não, não tinha ninguém, ela era a família, a família lá fora, mas como é que... a dor aguda na perna impediu-a de continuar a pensar. Doi-lhe, sim aqui, disse apontando a perna. Segue para radiografia. E lá ia ela a rolar pelo corredor, sem fundo, escuro, escuro. As máquinas brancas pareciam a figura gigante a gesticular, perto da banheira, as etiquetas para um lado e os frascos para o outro. Não quero...gritou num ronco que fez estremecer as cortinas de plástico. Então se calhar tem a perna partida e não quer tirar uma radiografia? Deitou-se conformada. Ela era a doente e a família lá fora. Por favor srª. enfermeira, diga à minha família que está lá fora que eu parti a perna, ah afinal está alguém da família desta senhora lá fora. Como se chama, João, é o meu marido que se chama João.
Sentiu um cheiro nauseabundo e abriu os olhos. Ah ainda bem que acordou, disse-lhe risonha a companheira do lado. Também parti uma perna, foi no ateliê, bem não foi bem no ateliê, foi no antigo quarto do meu filho, que eu agora transformei em ateliê desde que ele se foi embora...o meu marido está lá fora, chama-se João. Ah, mas agora não é a hora das visitas, só das duas às quatro, senhora enfermeira, desculpe incomodá-la mas já que entrou podia informar esta senhora se o marido dela ainda está lá fora. Marido? Não veio cá ninguém, como se chama o seu marido? João, chama-se João, mas ele tinha que viajar, já partiu no avião das dez horas da manhã, respondeu com voz baixa. Então nada feito, já são onze e vinte, disse saindo apressada. A senhora ainda tem marido, mas o meu já morreu, foi por causa disso que fui aprender a pintar. Vendo bastante, tenho muitas encomendas, cavalos, pinto cavalos, com cores quentes em imaginários da Amazónia. Fica muito bem em paredes brancas.O João partiu no avião das dez, quando éramos jovens faziamos passeios da Praça do Chile a Campo de Ourique. Vejo que são um casal muito unido, hoje em dia é tão dificil encontrar um casal que se ame de verdade. Eu e o meu marido também nos demos sempre bem, apesar de termos tido...Quando sair daqui vou ter com ele, vamos dar passeios em Londres, do Brithish Museum até Picadilly Circus, Trafalgar Square. Já vejo que é muito viajada, eu saí pouco, a viagem maior que fiz foi a Santiago de Compostela, mas o que eu gostava mesmo era de ir à Amazónia, trazia mais paisagem para os meus cavalos, ai desculpe está a descansar, sabe eu sou muito faladora. Depois em Trafalgar Square compravamos um cachecol em caxemira azul escura com riscas vermelhas e brancas e bebiamos um café. Avise a sua companheira quando ela acordar, disse a enfermeira chefe entrando de rompante, que por volta das duas vai fazer uma pequena cirugia ao pé. Almoça mais tarde e tem que tirar a dentadura para este recipiente.

domingo, 20 de abril de 2008

CENA I

Era um dia de festa quando a alcofa com os frascos saíam de cima do armário da cozinha. De tamanhos e cores muito variados, estendiam-se no chão de quadrados vermelhos e brancos. Memória dos frascos e do que eles representavam. Um dia diferente. Só hoje ela associou esses objectos transparentes ao gosto pelas cores azul e branca. Talvez duas ou três vezes por ano, esse dia era realmente diferente. O toque da campainha do despertador acordou-a desta longínqua memória. Um dia fora do habitual é um dia com uma alcofa cheia de frascos? Porque não! Decidida levantou-se e entrou na casa de banho enquanto ligava a televisão para ouvir as notícias da manhã.
Os azuis para um lado e os brancos para o outro ou então em círculos, em pirâmedes, deitados ou a rebolar. Ela lembrou-se de um pormenor quando entrou para a banheira, havia um verde, escuro, com uma tampa em forma de coroa e era sempre escolhido para rei. A rainha era branca de vidro martelado, sem tampa. Porque é que escolhia sempre aquele frasco para acasalar com o verde? Uma rainha sem cabeça? Que memória nebulosa. Encheu a banheira e deitou-se na água tépida, fechou os olhos e recordou a lavagem dos frascos, noutra banheira, com pés altos, forrada a esmalte. O barulho que eles faziam, frascos para um lado etiquetas para outro e o chão inundado de água e uma figura gigante a entrar pela minúscula casa de banho a gritar. O telemóvel tocou estridente e ela levantou-se rapidamente.
Ah, és tu, desculpa estou atrasada. Estou pronta dentro de vinte minutos. Correu para a cozinha e encheu a cafeteira eléctrica de água. Ligou-a e correu para a casa de banho. Pegou no secador e começou a moldar com os dedos o cabelo fino. Num segundo os fusíveis dispararam - que maçada, pensou. Tenho que aumentar a amperagem. Colocou água quente no bule onde já se encontrava um saquinho de chá verde - é muito bom para o coração, tinha-lhe dito a empregada da farmácia. De repente viu que estava nua. Dirigiu-se ao quarto e começou a vestir-se. Olhou para o espelho e viu a figura gigante a gesticular e os frascos a serem arrumados sem ordem e a coroa do rei a estilhaçar-se no chão. Agora eram os dois sem cabeça, arrumados no alto do armário da cozinha, dentro da alcofa, alcofa ou cesta feita de cana? Não se lembrava, mas tinha na memória o cesto lá em cima, com o rei e a rainha e os outros todos lavados, azuis e brancos. Olhou para o espelho e começou a pintar-se. Tinha olheiras e tentava disfarçar. Sorriu quando olhou para a gaveta das pinturas: lápis azul e sombra azul em maioria no meio das outras cores. Bebeu o chá a correr e tomou os comprimidos para a alergia. Era Abril e a rinite começava a dar sinais de vida. Meteu-se no elevador e o telemóvel começou novamente a tocar - estou a descer. Entrou no carro e deitou a cabeça para trás. Como gostava de não pensar - Há metafisica em não pensar em nada, escreveu Alberto Caeiro, mas ela não conseguia - estás esquisita hoje, disse-lhe o companheiro - não, só que não dormi muito bem. Hoje depois de sair vou cortar o cabelo, deixas-me na Avenida - outra vez, perguntou ele admirado, não foste lá na terça-feira? Sim, quero cortar mais a franja.O salão estava cheio mas ela não se importou, o seu olhar dirigiu-se para as vitrinas cheias de objectos de vidro. Taças, jarras, garrafas, copos de várias cores. Era o único salão que tinha em exposição tantos objectos de vidro. Olhou para eles e achou que estavam apertados. Sentiu alguma angústia, os outros amontoados e sozinhos na cesta ou seria na alcofa? Desviou o olhar para a janela, o sol batia nas árvores da Avenida, ao lado discutia-se os cartoons dinamarqueses, o respeito pela religião de cada um ou a liberdade de expressão. Uma petição ia ser entregue no dia 16 de Fevereiro, na Assembleia da República. O que é que ela ia fazer? Iria tomar posição? Estava tão amorfa desde que saiu da outra cidade...

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Eu sou sexagenária

Eu sou sexagenária e ninguém me faz parar/se eu não andar bem, uma bengala vou pegar/mas ficar em casa não é para mim não/se tenho um sonho e depois uma desilusão/pego logo em mim e faço a reconversão/de tristezas e danos está o mundo repleto/mas protestar sempre é o meu hobbie predilecto/eu sou muito eclética, eléctrica, energética e nunca desisto/gosto do Che, de Marx e de Jesus Cristo/gosto dos bros e dos mano a valer/mas gosto muito dos meus filhos que são razão do meu viver/gosto do mar e de uma boa estratégia/só não passeio no pinhal, porque tenho rinite alérgica/vou ao ginásio fazer pilates e Yoga/sou sexagenária mas ando em tudo que está em voga/gosto de chá, de filmes, de livros e do mais que há/tenho sonhos capitalistas de viver como um marajá/mas nesse sonho vem sempre ao de cima o mano Che/que sem nenhum pudor dá na cabeça do dominador/esta dualidade é a que eu sou/percebes bro/é uma grande confusão/gosto de boa vida e de uma boa revolução/ao menos sou sincera, digo tudo de mim/uma sexagenária tem o direito de ser assim/o velhote que etá aqui ao meu lado/está também a ficar muito reanimado e ginasticado/não quer outra coisa senão a passadeira/oh meu deus que caturreira/vivam os sexagenários/viva a minha geração/ se não tivessemos sido hippies não havia revolução com til/o vinte e cinco de Abril/adeus camarada, adeus meus irmãos/gosto de me sentir com hoje estou/cácáô

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Hoje estou pensativa

Acordei e começei logo a pensar. Se penso logo existo e fiquei contente porque existo e também porque penso mas ao pensar entro em diálogo, com quem? Comigo. Ao entrar em diálogo comigo inicio o «tal» monólogo interior e o monólogo interior é uma grande chatice, não me deixa ver nada, a paisagem por exemplo: se faço uma viagem de combóio, entro na tal conversa interior e não vejo patavina. Lembras-te do rio Douro visto do combóio na povoação tal e tal? E eu sim, sim é lindo, mas a verdade é que não me lembro de nada...Se acordo e sou atacada de imediato pelo monólogo deixo qualquer pessoa a meio da frase e zutaaaa lá vou eu atracada a ele. A minha filha mais velha é que descobriu o «bicho» e de vez em quando pergunta-me, estás a pensar em quê? Não estás a ouvir nada do que te estou a dizer, eu digo-lhe, claro que estou a ouvir e até fico zangada, mas ela não acredita e obriga-me a repetir. Repete lá o que eu disse, repete. Temos que admitir que esta situação é um pouco desconfortável. Vou continuar a pensar nisso.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Ela (ele) é muito possessiva

O problema é ela ser muito possessiva, dizia Lyn a amiga chinesa de Margarida, ela queria dizer (ele). A lingua chinesa não emprega o masculino qundo se refere ao homem? Era uma interrogação que a Margarida fazia sempre que saía com a sua amiga Lyn, mas não ficava bem perguntar. Mas se calhar ele gosta muito de si, disse.. Sim ela diz que sim, mas também diz que eu sou frio, acha a Margarida, que eu sou frio?Não Lyn para mim não é, aqui ela usa o termo frio referindo-se a uma mulher, pensava Margarida, não acho. Lyn, isto o que é? Isso é para fazer cozidos a vapor em casa. Ai que bom, o que eu gosto de cozidos a vapor, pensava Margarida no meio daquele Armazém Chinês do Martim Moniz. E estes sacos têm o verdadeiro arroz chinês? Sim claro, aqui tem tudo que chinês necessita. Preciso é de uma panela para cozer o arroz. Também tem cá, exclama Lyn admirada e rapidamente na sua língua materna pede a um dos dez ajudantes que trouxessem uma panela. Parece-me mesmo boa, diz Margarida contente. E isto o que é? Apontando para minúsculos pedaços de carne agarrada ao osso. Isto é entrecosto frito, responde a empregada num razoável português. Porque é que os pedaços são tão pequenos? Os chineses comem tudo cortado em pequenininho, respondeu Lyn, vocês não? Bem, não tanto e Margarida lembrava-se das travessas de cozido à portuguesa no quiosque, às 6ªs feiras. As portuguesas gastam muito, eu acho, diz Lyn empertigada. Talvez.....de repente, no carro de Lyn, estavam a ser postas as compras devidamente acondicionadas pelos dez ajudantes do armazém. Totché, obrigado, dizia Lyn, em meio português, meio chinês...já no caminho de regresso, Lyn voltou à carga. Ela é muito possessiva, mas elas acham todas que eu sou muito independente e frio. Têm medo, arriscou Margarida.Sim, ela até disse ontem, se eu te desse um anel e te pedisse em casamento tu ficavas zangada, porque não sei se gostas de mim. Está a brincar, Lyn relatava o sucedido com voz zangada, então o que é que eu estou aqui a fazer, se está em minha casa e eu a perder tempo consigo é porque gosto de si, mas a intimidade leva tempo. Com os portugueses, não é assim, disse-me ela (ele), continuou Lyn. Ai não, então como é que é (respondeu a Lyn a ela (ele)? As pessoas apaixonam-se e pronto... , disse ela (ele). Com chineses não, disse-lhe eu (A Lyn)e já estava stressada com a conversa e acrescentei, tem que respeitar, as pessoas conhecem-se e levam tempo e depois a intimidade para casar é quando já há grande conhecimento...isso é porque tu és frio, disse-me ela, e eu respondi, disse-me agastada Lyn, se sou frio porque é que não se vai embora? E ele? Perguntou Margarida curiosa. Ela foi embora. Já a outra era assim e ainda por cima a mulher dela telefonava-me. Oh Lyn, você com a sua profissão e o seu estatuto porque é que não procura um chinês ao seu nível que compreenda o seu espirito independente, ou outro estrangeiro, porque portugueses já se sabe, são inseguros e querem ser o centro das atenções, são filhos de mulheres carentes, blá, blá, divagou Margarida sobre a essência do homem português. Não Margarida, eu não posso casar com chinesa..Não pode casar com um chinês? Porquê? Porque sou divorciada..O quê? Qual é o problema? Um chinês que casa com uma mulher divorciada fica desonrado perante a família e os amigos. Diziam-lhe, olha para ele, nem teve categoria para casar com uma solteira, casou com o lixo. Lixo!!!! disse Margarida, abrindo a boca espantada. Sim, o pai de Lynsoi, minha filha, divorciou-se de mim e quando foi para a América e quis casar com outro, teve de casar com chinesa solteira. Então se quisesse casar com um chinês...Só se fosse empregado de mesa, atalhou Lyn, daqueles que não têm onde cair morto. E ainda por cima tinha de engolir tudo o que ele quisesse. Abriu a porta do condomínio fechado e com um olhar triste disse a Margarida: eu sou uma mulher em 2ª. mão para um chinesa e um objecto que se possue para um portuguesa.
Quando voltei a casa pensei, as circunstâncias dramáticas e preconceituosas que envolvem a mulher oriental, africana e da América Latina são a ponta de um iceberg que nós pouco sabemos e nada fazemos, olha para mim, casada três vezes, não sei o que seria na China, já estava em reciclagem nalguma ETAR. Abri a porta e a minha cadela saltou-me feliz e eu para alimentar a má consciência do pouco que tenho feito em favor destas mulheres, disse-lhe: scorfa, quando quiseres ter filhos, escolhes tu o cão seja de que raça for.
À noite contei o sucedido a um dos meus filhos, que me acompanhou noutras compras mensais, num dos muitos supermercados na vila onde vivo. Eram quase dez da noite e ele respondeu-me com voz suave, por tudo isso que me estás a dizer é que eu vou levar este livro sobre os Gulags - oprimidos estás a ver, e és tu que vais pagar. Não disseste que estavas de má consciência?

Imagens de Mértola. Terra linda de morrer....


No domingo...


Amigas e amigos, no domingo fui ao S. Carlos ver Os contos de Hoffmann e digo-vos que em termos de cantores foi o ponto alto desta temporada medíocre.
É interessante este Offenbach, como foi possivel no século XIX compor uma opereta tão contemporãnea.

Jacques Offenbach
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.


Jacques Offenbach Jacob Ebert, mais conhecido como Jacques Offenbach (Colônia, Alemanha, 20 de Junho de 1819 – Paris, França, 5 de Outubro de 1880), compositor e violoncelista da Era Romântica, foi um paladino da opereta e um percursor do teatro musical moderno.
Com 60 anos e muito doente, ele trabalhou com afinco para concluir Os contos de Hoffmann. O criador de operetas, não conseguiu realizar o grande sonho de assistir a montagem de sua primeira grande ópera de sucesso. Ele morreu em Paris, no dia cinco de outubro de 1880 e a estréia de sua jóia musical só iria ocorrer cinco meses após. A opera foi considerada o maior evento da temporada, atingindo um recorde de 101 apresentações.

domingo, 13 de abril de 2008

Mantas de Mértola - Uma preciosidade patrimonial.


Estou a dar umas acções de formação em Mértola sobre Serviço Educativos de Museus e fiquei fascinada com a vila. É das vilas mais bonitas de Portugal. As mantas de influência islâmica e tecidas pelos métodos tradicionais são um ponto alto na riqueza patrimonial desta autarquia. Por favor escolham Mértola para um dos vossos destinos de fim de semana. Boa comida, boa dormida e uma paisagem deslumbrante enquadrada pelo Guadiana e pelos vestigios islâmicos tão presentes naquela brancura.

A última ceia

Memórias do Egipto

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Estou perplexa!

Resolvi colocar um pequeno questionário no meu blogue, tendo em conta que estamos no ano da interculturalidade. Perguntava se os portugueses são racistas, não são racistas ou parecem que não são mas são.
A pergunta que ganhou foi esta última, parecem que não são mas são. No fundo era também a minha resposta. Penso que o nosso país há muita hipocrisia. A horrivel expressão «é tão bom rapaz apesar de ser preto», ainda é comum. Afinal que atitudes de mudança temos na realidade? A pergunta que eu faço a todos aqueles que visitam este blogue é a seguinte: Seriam capazes de casar, viver, namorar com alguém de uma raça diferente? Esta hipótese é absolutamente viável para os vossos filhos?
Eu estou à vontade a fazer esta pergunta porque o meu primeiro marido era filho de uma senhora negra de S. Tomé e de um indiano claro de Margão (India). Era engenheiro aeronáutico do Instituto Superior Técnico e oficial de carreira da Força Aérea da Academia Militar. Morreu num desastre de aviação com o Pires Veloso, nos anos setenta.
A luta a ter no nosso país a favor da igualdade de oportunidades e direitos, passa por diminuir o conceito de inferiorização. A interiorização desse conceito provoca desespero, raiva e revolta.
No outro dia vi num programa da Oprah, os projectos que negros cultos na América estão a fazer a favor das crianças e jovens de raça negra. Construiram escolas no Harlem onde acolhem cerca de 10.000 crianças de todas as idades e lhes dão educação da melhor, introdução ao desporto e às artes, alimentação etc. Os pais destas crianças só têm que as receber ao fim da tarde, brincar um pouco com elas e deitá-las.
Já estão perto de 20.000 e eles querem aumentar para 40.000 os adolescentes que estão nas universidades com tudo pago. Chegaram à conclusão que uma maioria cerca de 80% da população de raça negra são crianças filhos de mães solteiras e o nível de instrução é profundamente baixo e com características de deliquência, pois muitos jovens negros estão na prisão. Esta escola também faz formação junto das famílias nas questões mais básicas, como tratar dos filhos bébés, cozinha, costura, computadores etc. etc.
Investir na educação é quanto a mim a única forma de tornar cidadãos actuantes e plenos de cidadania. O Jean Monet disse que se construisse a Comunidade Europeia de novo, começaria pela educação.
Num destes projectos, uma negra fabulosa disse no programa que estava a angariar um milhão de mentores para apoiarem crianças. Um mentor para cada criança. A Oprah motivou logo ali os espectadores a serem contribuintes deste apelo.
O nosso país tem que contruir uma sociedade nova, com educação e saúde para todos e com projectos concretos com DINHEIRO suficiente para implementar escolas especiais para os portugueses oriundos de todos os continentes. O Prof. Pereira Bastos da Universidade Nova, num estudo que tem levado a cabo com especialistas fez o levantamento de 179 nacionalidades ou etnias a viverem no nosso país.
Nós não pudemos andar toda a vida a fazer só certames de gastronomia, música e exploração da componente exótica dessas populações. Nós temos que criar estruturas que tornem os homens e mulheres que escolheram o nosso país para viverem e muitos se nacionalizarem a tornarem-se cidadãos de pleno direito. Já se percebeu que a Segurança Social e a Escola ao fim de trinta anos de democracia, tornou este país de «todos iguais, todos diferentes»,num país de «uns mais iguais do que outros».
As pessoas têm DIREITOS, à educação e à cultura, à saúde e à habitação e os projectos têm de ser fortes e não aos bochechos, porque aos bochechos torna tudo muito efémero.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Amigas e amigos. O meu livro está pronto....


O meu livro está pronto. Saiu hoje da tipografia.
Sinto-me tão feliz. É o resultado de quatro anos de investigação. Que bom. Termino uma carreira de 40 anos com este projecto. Que bommmmmmmmmmmmmmmm.

A não perder


No domingo tive uma tarde cultural daquelas que eu gosto muito. Fui ao teatro Camões ver a Cantata, uma reposição de um bailado que anteriormente foi dançado pelo Ballet Gulbenkian e que eu também já tinha visto. Ver o meu filho no palco é sempre uma emoção forte e vê-lo dançar a Cantata ainda mais. Este bailado é baseado nas canções tradicionais rurais italianas (lindas) e estas canções foram cantadas e tocadas ao vivo, enquanto os bailarinos dançavam, por quatro italianas excepcionais. A coreografia é de Mauro Bigonzetti.

A seguir fui ao cinema, ver um filme maravilhoso «Corações» de Alain Resnais. Há quanto tempo eu não via um filme de Alain Resnais. Um homem de quase 90 anos retrata a vida quotidiana de uma forma única. A construção das personagens, aquilo que nós construímos de nós próprios e que já ficção, nós pensamos que é realidade. Qual das personagens que nós criámos para nós é real? Levamos tanto tempo a encontar nos familiares, nos amigos e nas pessoas que se cruzam connosco, a verdade. E também em nós próprios. Quando encontramos a verdadeira faceta é por vezes um espanto. Estivemos anos e anos a relacionarmo-nos maioritariamente com a ficção.


domingo, 6 de abril de 2008

Ainda o Egipto

Ao visitar este país de assimetrias inacreditáveis, reparei numa coisa que sempre me fez pensar, desde que há longos anos viajo: a questão da identidade. Eu no Egipto senti-me noutra cultura, vi-me envolvida por ela desejei estar em sintonia com ela. Os seus cheiros, as cores, a paisagem e o traje, tudo me encaminhava para um país, tudo me estimulava ao seu conhecimento. E não era tudo de plástico para turista ver. Havia espaços genuinos de identidade.
Será que no nosso país esses espaços genuinos de identidade existem numa maioria significativa? Olho por exemplo para a linha de Cascais, tirando o sol e o mar (grandes valias) o resto é homogeneizado, é globalizado: comida, espectáculos e tudo o mais vê-se por essa Europa igual. Onde está o artesanato urbano, já não digo regional, de qualidade? Onde está o artesanato contemporâneo? São sempre as mesmas toalhas, as mesmas conchas e búzios, as mesmas camisolas, a mesma comida que tanto podia ser aqui como em qualquer região da Grande Lisboa. Por favor mostrem-me sinais reais, genuinos de identidade, expontâneos.... Consigo encontrar no Norte e no Alentejo, mas nesta área globalizada da Grande Lisboa, onde estão??? Que espaço é este? Desde Setúbal a Azambuja e já entrando na zona Oeste e Ribatejo, as «artes» feitas pelo homem e mulheres do nosso país, parecem desaparecer. Vendemos o quê aos turistas? Objectos das lojas dos chineses?
Se o artesanto tradicional for desaparecendo e dando lugar a inovações contemporâneas, muito bem. Acho óptimo. Eu adoro artesanato contemporâneo e ele reflecte uma área de identidade muito própria. Eu gostava de vestir moda feita a partir de tecidos e motivos portugueses, mas não têm sucesso? Existem? Onde?
Os lobies globalizantes vão envolver um planeta de uma só cor, de um só tecido. EU NÃO QUERO....

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Tudo isto me confunde. É esta a democracia que queremos? O fenómeno americano de violência nas escolas já chegou a Portugal?

Procurador diz que há alunos aconselhados pelos pais a levarem armas para a escola. Depois do encontro que manteve com o presidente da República, Cavaco Silva, Pinto Monteiro disse que "há alunos levam pistolas de 6,35 e 9 mm para as escolas... para não falar de facas, que essas são às centenas". "Quando não são os pais que dizem aos filhos para levarem a sua pistola para a escola para se defenderem", contou o Procurador, preocupado com a "impunidade" que se vive nas escolas e no país. Questionada sobre se entendia que Pinto Monteiro tinha sido alarmista, a ministra retorquiu simplesmente: "Isso não comento". A ministra deu a mesma resposta quando inquirida sobre se concorda com a criminalização deste tipo de situações violentas: "Não comento esse assunto". Quanto ao que o Ministério pensa fazer para combater este problema, Maria de Lurdes Rodrigues respondeu: "Não é o que pensa fazer, é o que está fazer, o que já vem fazendo há muito tempo". Uma das apostas é, "desde logo, melhorar o sistema de observação que permite hoje ter um conhecimento muito próximo, quase diria, no momento, das coisas que estão a acontecer nas escolas, podendo evidentemente apoiá-las na solução desses problemas". Quem intervém em primeiro lugar é a escola, "através do coordenador de segurança", seguindo-se a "Escola Segura", através dos agentes policiais destacados para o efeito. Entretanto, Pinto Monteiro apelou aos conselhos executivos das escolas e aos professores para que denunciem todos os casos de agressões praticadas dentro dos estabelecimentos de ensino, actos que configuram um crime público.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

DANÇA DOS SETE VÉUS



«Sua origem é muito especulada: já foi associada à passagem bíblica onde Salomé pede a cabeça de João Baptista. Actualmente, é muito comum ver a dança ser vinculada aos sete chakras corporais, onde cada véu teria a cor de um dos chakras, simbolizando sua transformação.
A interpretação mais bela seria a de que esta tivesse sido originada de uma antiga lenda babilônica que dizia que a deusa Ishtar descia ao mundo subterrâneo e permanecia lá por seis meses. A terra morria e nada nascia. Mas quando seu marido Tammuz descia para vê-la, nos outros seis meses do ano, a terra renascia e todos celebravam. Ishtar, ao descer, passava por sete portais e em cada um deles deixava um de seus atributos: saúde, beleza, poder ..., até chegar nua e indefesa como todos os mortais. Para cada portal atravessado pela deusa, a bailarina se despe de um véu. Para cada um, executa-se um movimento diferente, sugerindo um sentimento ou uma expressão variada.»

terça-feira, 1 de abril de 2008