quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Texto Jornal de Letras «Fernando Duarte Remontagem contemporânea de O Lago dos Cisnes » Reportagem MARIA LEONOR NUNES. Que orgulho.


¶ Não é um primeiro passo coreográfico,
mas o salto inaugural na
coreografia de um grande bailado.
E logo o clássico dos clássicos.
Fernando Duarte, 34 anos, 17 de carreira,
bailarino principal e ensaiador
da Companhia Nacional de Bailado
(CNB) é o coreógrafo de O Lago dos
Cisnes, de Tchaikovsky, o espetáculo
que a CNB estreia a 14, com a
Orquestra Metropolitana de Lisboa,
com direção do maestro Cesário
Costa, no Teatro Camões, em Lisboa.
É, de resto, um acaso feliz. Porque
o bailarino e coreógrafo elege entre
todos o célebre Lago. Desde logo,
pela história. “Profundamente
humana, reveladora da divisão entre
o bem e o mal, o belo branco ou o
negro desconhecido”, explica. “Tudo
isto numa trama romântica maravilhosa”.
Guarda mesmo a imagem
de uma das suas aulas iniciais, da
entrada das ‘cisnes brancas’, 18 raparigas,
numa inesquecível revoada,
que de alguma maneira confirmou
o seu destino. Andava pelos 10 anos
e acabava de se iniciar na barra, na
Academia de Dança Contemporânea
de Setúbal, onde fez a sua formação.
Também reteve a música. E quando
coreografa, dá-lhe sempre especial
atenção: “Fico por vezes horas a ouvir
Fernando Duarte
O senhor do Lago
uma música à procura do movimento
capaz de a interpretar”, afirma. “No
Lago é infindável a inspiração”.
E se, ao correr do tempo, desde
que começou o seu percurso, ainda
estagiário, na CêDêCê, até ao corpo
de baile da CNB, onde ingressou em
1996, Fernando Duarte foi muitas
vezes Príncipe em Giselle, no
Quebra-Nozes ou em Coppélia, e seria
fatalmente o Siegfried de O Lago dos
Cisnes. Uma estreia quase sem escala,
em Banguecoque, onde a CNB se
apresentou, poucos dias depois de ter
regressado da Noruega, onde esteve
dois anos, entre 2005 e 2007, no
Nasjonalballetten. “É um prazer ver,
ouvir e dançar o Lago. O de dançar
é muito interior, o de coreografar,
mais de partilha com os bailarinos
e o público. É uma experiência
muito gratificante e total”, assevera.
Literalmente, um sonho que se realiza:
“Muitas vezes dei comigo a dizer
aos bailarinos como via determinados
momentos nos meus sonhos.
E o bailado está realmente quase
totalmente como o idealizei”.
Porventura a mais apresentada
obra do reportório clássico em todo
o mundo, tendo conhecido diferentes
versões, O Lago dos Cisnes é
agora reescrito por Fernando Duarte,
reconstituindo a coreografia original
de Marius Petipa e Lev Ivanov, mas
acrescentando-lhe uma marca
contemporânea, a sua. A ideia partiu
da diretora artística da CNB, Luísa
Taveira, como adianta o bailarino e
coreógrafo: “Trata-se de remontar
essa peça marcante, de um novo
ponto de vista, numa perspetiva contemporânea,
mas mantendo aquela
que é a sua assinatura, o ato branco”.
Por outras palavras, a dança dos cisnes,
os pas de deux dos cisnes brancos
e dos cisnes negros, cuja coreografia
se tem mantido “quase inalterável”
ao longo de mais de um século.
Respeitando essa “assinatura”,
fundamentalmente o segundo ato,
Fernando Duarte propôs-se assinar
a primeiro e quarta partes com a sua
“linguagem coreográfica”, ao abrigo
do seu entendimento do que deve ser
o bailado clássico no século XXI. A
estrutura de O Lago dos Cisnes, que
vai estar no Teatro Camões até 3 de
março, é assim “tradicional”, ao nível
do “encadeamento das valsas, dos
duetos, dos solos”, exceção feita às
danças das pretendentes do príncipe
Siegfried, reduzidas a uma valsa romântica
e a uma única pretendente,
uma princesa russa. Mais que fossem,
de resto, e teriam o mesmo desenlace,
a recusa do príncipe, apaixonado
que ficou pela “meia-mulher,
meio cisne”, que conheceu à beira
do lago. “Os passos são os mesmos,
mas a construção é diferente”, diz.
E “mantendo o que é intemporal, há
um manto de modernidade”.
É nesse sentido que o espetáculo
conta com um vídeo de Edgar Pera,
que intensifica a presença do negro
feiticeiro e serve de cenário, numa
interligação entre duas expressões
artísticas. E figurinos de José António
Tenente, uma “aposta” mais atual, na
“simplicidade e elegância”.
Fernando Duarte já tinha tido
algumas “aventuras coreográficas”,
em paralelo à carreira de bailarino,
mesmo por conta e risco. Numa produção
independente, com a mulher
também bailarina, Solange Melo,
criou Cinderela em Bicos de Pés, um
bailado para os mais pequenos. Mas
não é fácil arriscar criações independentes
hoje, reconhece. Ainda assim,
continua a pensar noutros projetos.
Já um ano e meio que praticamente
deixou de dançar, para dar aulas,
porque sentiu esgotada -os anos
pesam neles mais cedo - a carreira
de bailarino. Entrou naquilo a que
chama “metamorfose”. E nasceu um
coreógrafo.

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