segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Fui ver este filme e e concordo com esta crítica





The Eye of the Storm (2011) de Fred Schepisi



João Lameira 



«Como outras adaptações de livros ao cinema, The Eye of the Storm (O Coração da Tempestade, 2011), que se baseia num romance homónimo do australiano Patrick White, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1973 (ao que parece, por obra e graça desse mesmo livro), sofre com o peso da pala
vra escrita sobre a “fragilidade” da imagem. No entanto, o realizador Fred Schepisi, também australiano, não permite que o filme resvale completamente para o academismo sisudo em que este tipo de empreitada costuma cair.

Com uma carreira dividida entre os Estados Unidos da América e a Austrália, Schepisi é um veterano — já dirigiu Meryl Streep duas vezes: em A Cry in the Dark (Um Grito de Coragem, 1988), sobre o famoso caso do casal cuja filha foi comida por um dingo; e em Plenty (Plenty, Uma Mulher de Coragem, 1985) — que se foi especializando em adaptações literárias e teatrais e se tem interessado, sobretudo, pela família e a forma como esta funciona. Assim, em The Eye of the Storm, sobre uma matriarca meio senil que recebe os filhos desavindos no leito de morte, está completamente à vontade, como que em casa.
Essa sensação de conforto, de que o realizador sabe perfeitamente o que está a fazer nunca deixa o espectador. Começa logo nas primeiras cenas em que são apresentadas as principais personagens concisa e eficazmente. Prossegue na narração de Geoffrey Rush que, sagazmente, comenta a estrutura do próprio filme: Rush interpreta Basil, o filho pródigo da velhota, que é dramaturgo e prepara uma peça sobre os acontecimentos de The Eye of the Storm — e é o seu solilóquio que se vai ouvindo ao longo do filme. Passa pelas interpretações seguríssimas dos actores: a soberba Judy Davis; o sólido Geoffrey Rush; a bela Charlotte Rampling (que “envelheceu” uns anitos para fazer este papel); e a jovem Alexandra Schepisi, filha do realizador, uma daquelas criaturas de que se diz que a câmara gosta. E pela escolha inteligente da música — meio jazzy — que contradiz o tom de dramalhão que uma banda-sonora mais pesada não deixaria de reforçar.
Só que, apesar destas qualidades, pedia-se mais arrojo a Fred Schepisi nesta história um tanto sórdida sobre o amor e a falta dele, de traições e humilhações, de mesquinhices e egoísmos, de dejectos e demais fluidos corporais, que a doença, o passado, a demência, e a morte ajudam a ensombrar. Se as personagens estão emocionantemente metidas numa tempestade, o realizador parece bem mais resguardado, impermeável à tragédia que filma (ou seja, é ele que está no “coração da tempestade”). A aura de qualidade, que a cenografia, o guarda-roupa, todos os “valores de produção” acentuam, impõe ainda mais a ideia de que a realização é demasiadamente polida e educada. E não bastam aqueles planos da comida podre e estragada (com bicho), imagens da decadência financeira e, principalmente, moral dos envolvidos, para afastá-la.


The Eye of the Storm é um filme bem feito, com os acabamentos todos no sítio, mas porventura demasiadamente perfeitinho para que possa ressoar no espectador, a quem é consentido que fique tão impassível quanto o próprio realizador.»

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