quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Ontem e hoje foram dias bons...

Ontem e hoje foram dias bons, além de estar todas as terças-feiras com amigas especiais, jantei com filhas, filhos, nora, genro e netas, um belo frango do Rio de Mel, o melhor frango de Lisboa, segundo a revista sábado. Eu claro que não como, mas vi-os comer com satisfação. Uma das minhas noras à terça-feira toma conta das miúdas, enquanto a minha filha vai à ginástica e assim aproveitámos para jantar. As miúdas estão o máximo e a solidariedade familiar é boa.
Hoje fui com uma amiga ver um filme excepcional. É um filme documentário sobre a decadência dos bordéis na França dos finais do século XIX, inícios do século XX. è para mim uma obra de cariz antropológico a não perder.

“Apollonide” é o primeiro filme do francês Bertrand Bonello estreado em Portugal.

É um filme sobre um bordel parisiense do princípio do século XX, o tipo de coisa que nos chegou numa memória mitificada pela literatura, pela pintura, e também, embora forçosamente com outra contenção alusiva, pelo cinema francês das primeiras décadas do século passado. Bonello joga com isso tudo, especialmente a pintura: há muitos planos em que o espectador é convidado a ver o seu impressionismo, e quando Bonello divide o ecrã em dois, três ou quatro (uns quantos momentos em “split-screen”) não há dúvida, o espectador é posto a olhar para quadros. O bordel, de onde não se sai, e o mundo que entra por ele adentro (os homens que o frequentam, as candidatas a prostitutas) são obviamente uma coisa passada, regida por códigos extintos. A maneira como Bonello encena esse mundo e esses códigos tem um sentido do risco interessante: há elegância (mesmo o que é violento, fisica ou verbalmente, é mais elegante do que bruto) e há, senão felicidade, uma espécie de conforto, o conforto da “normalidade”, de um mundo em que a situação daquela casa e daquelas raparigas encaixa perfeitamente. Pode suscitar - daí o sentido do risco - uma ideia de nostalgia, não muito diferente (claro que “mutatis mutandis”) daquela com de vez em quando Sokurov parece filmar a Rússia imperial: um “paraíso perdido”, em suma. A questão “sociológica”, sendo importante (e particularmente no plano final, uma beira de estrada contemporânea: já não há bordéis, as prostitutas estão na rua e parecem mais tristes do que nunca), é resolvida mais pela poesia e pela alusão. O mundo avança por ali adentro: as doenças, o dinheiro (o senhorio quer aumentar a renda do bordel), as promessas por cumprir (aparentemente, nenhum homem fala a sério quando faz juras de amor a uma prostituta). Quanto mais o mundo avança, mais o bordel se revela como puro teatro (“social” e não só), mascarada cada vez maior até que um baile já pareça mais um “freak show”. Elipse, e o “teatro” transforma-se em “documentário”: é o tal plano final, contemporâneo e realista.

Filme inteligente, por vezes intrigante (a “mulher que ri”, personagem que carrega um mundo referencial), servido por um óptimo “ensemble” de actrizes e, por alguma razão, com vários realizadores no papel dos clientes (reconhecem-se Jacques Nolot, Xavier Beauvois, Pierre Léon...), “Apollonide” merece ser visto. Decidir Bonello fica, mais uma vez, adiado - o que deve ser mérito dele.

Sem comentários: