CANAL LIVRE
Uma campanha perdida
por JOÃO MARCELINO
1. Acabamos de assistir à mais desinteressante campanha eleitoral de sempre, o que não pressagia nada de bom em termos da abstenção.
Na boca dos candidatos faltaram os projectos e o pensamento estruturado, sobraram as conversas laterais e as questões de carácter; na rua restaram pouco mais do que os militantes dos partidos. As campanhas em que os presidentes da República se apresentam à reeleição têm sido sempre vulgares, como aconteceu com Soares/Basílio Horta ou Jorge Sampaio/Ferreira do Amaral, mas esta abusou pela negativa.
2. As culpas podem ser repartidas. Cavaco Silva não apresentou uma ideia nova. Limitou-se a agitar a sua inocência em relação ao estado em que o País se encontra, a reclamar honestidade pessoal e a prometer, às segundas, quartas e sextas, acabar com o Governo, e às terças e quintas, face às reacções, a dizer que não era bem assim. Pelo meio, abusou da inteligência dos portugueses (exemplo: a forma como diz que gere as suas poupanças). Cavaco não se comprometeu com o que quer que seja, a não ser com a inevitável Constituição, e sai desta campanha como nela entrou e tal como desempenhou o cargo nos últimos anos, cumprindo os mínimos. Não promete nem se compromete.
Manuel Alegre pagou o preço de se ter deixado integrar no sistema. Entre o PS e o Bloco de Esquerda perdeu autenticidade e, segundo as sondagens, parece não ter ganho votos em relação a 2006. É um homem generoso em termos do ideal de sociedade que pretende, mas a política também deve ter sentido e coerência na acção.
Fernando Nobre trouxe solidariedade para dar e vender, mas acabou esgotado e fora de controlo: a afirmação de que só desistiria se lhe dessem "um tiro na cabeça" é o exemplo acabado de desnorte e de inépcia política.
Francisco Lopes acabou por ser uma surpresa positiva, porque comunica bem, mas, como se esperava, limitou-se a repetir pela enésima vez o argumentário do PCP.
Defensor Moura, médico e autarca respeitado, prestou-se ao serviço, limitado, de enervar Cavaco, e terá brevemente um justo prémio atribuído pela oligarquia socialista.
E José Manuel Coelho introduziu o papel de jogral na campanha, o que sendo uma possibilidade em democracia não era habitual em Portugal. Os 7500 portugueses que lhe assinaram a candidatura provavelmente não o quererão como presidente. Mas vêem-no como uma mensagem que a classe política merece ouvir.
3. Depois disto, a partir de amanhã, voltaremos ao dia-a-dia, com um Governo em dificuldades e um Presidente que não desperta emoções - os portugueses vão às urnas, sobretudo, eleger o menos mau dos candidatos, o menos perigoso para o País, o mais previsível. Admito até, a partir de agora, que o presidente eleito não possa, nunca mais, falar com arrogância e superioridade moral neste País de negócios esquisitos. Até isso esta maldita campanha nos tirou.
2 comentários:
Pois eu não. E passo a explicar porquê. Acho que a ligeireza com que é feita demonstra bem talvez o maior problema da nossa democracia. A redução de tudo a um sound byte. Essa responsabilidade começa obviamente nos próprios candidatos amplificando-se depois desmesuradamente nos media incapazes de interessar os cidadãos em outra coisa que não seja a pequena intriga ou coscuvilhice. Claro que esse defeito não é mais do que o espelho do nosso próprio desinteresse que é pouco legitimo reduzir ao desencanto. É mesmo muitas vezes simples preguiça. E é por isso que é errado reduzir a candidatura de Fernando Nobre a um ideal de solidariedade sem ouvir com atenção a parte mais importante da sua mensagem, parte essa que ele tem repetido frequentemente: A sua candidatura é um grito não de revolta pura. É um grito de apelo à participação da sociedade civil, de todos, na politica. Não no sentido da chegada ao poder mas antes no sentido da simples e poderosa arma de que dispomos: da memória, da preocupação. Fazendo isso poderemos exigir muito mais. Escolheremos muito melhor. É por isso que Fernando Nobre tem o meu voto. É por isso que não subscrevo o teor deste artigo do Público. É simplesmente ligeiro demais. Se os candidatos t~em defeitos e têm-os com toda a certeza, este artigo não os revela. Limita-se a enumerar os fait-divers possivelmente menos interessantes. Desculpe o desacordo e o longo comentário.
Veremos, Fernando, veremos. Mas no entanto convenceu-me. Vou votar no Fernando Nobre, eu que estava tão indecisa e sem vontade de votar.
Um abraço
Ana Duarte
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