II EPISÓDIO
O rei Foribundo IV tinha um grande problema, no dia em que os filhos foram à gruta da mariposa sem o seu conhecimento, para desfazer o bruxedo, ele na toilete da manhã, ao coçar o céu da boca com uma escova de dentes, engoliu-a e ela ficou alojada entre as cordas vocais, por isso não podia falar e passava os dias no seu quarto e salão, sem ver ninguém.
Devido ao trágico acontecimento da escova enfiada nas goelas reais, ele tinha resolvido entregar a regência do reino aos seus filhos, mas o bruxedo da bruxa Ziripela, a mando dele, sendo assim o culpado daquela maldição, já se tinha concretizado. Procurou a bruxa para desfazer o feitiço, devido ao estado de saúde em que se encontrava, mas não a encontrou e além disso ela não compreenderia a escrita do escriba que traduzia os seus urros. Restava-lhes os filhos para governar, se não tinha de entregar o reino ao seu primo e isso enfurecia-o. Agora os seus descendentes tinham conseguido quebrar o feitiço e ele ficou muito contente, dando então a tal profunda gargalhada quando os viu chegar, que diga-se a verdade mais parecia a de um urso.
Os problemas no entanto não tinham acabado, suas altezas reais estavam muito feios e pouco apresentáveis para o reino os ver, cheios de ligaduras, cremes e tintura de iodo.
Naquela manhã chamou-os ao salão real e o rei apareceu com um escriba que escrevia tudo numa grande ardósia, o que o soberano dizia por urros.
- Príncipes, sei o que vos aconteceu…disse o rei circunspecto urrando.
- Mas como, Majestade? perguntaram os jovens príncipes, depois de terem lido o que o criado escreveu no grande quadro negro..
- Não importa como, tendes é que resolver o assunto das vossas feridas, não podeis aparecer ao povo dessa maneira, urrava ainda mais o pai.
- Mas como, Majestade?
-Calai-vos, só dizeis, mas como, mas como, não sabeis dizer mais nada? Mandei chamar a mestra das fadas de todo o reino, que por seu lado recebeu lições da fada do Universo, ela terá alguma ideia para vos curar. Arauto mandai entrar a fada Josebela.
Num instante a sala encheu-se de uma luz muito intensa e a fada Josebela apareceu com todo o seu esplendor.
- Dizei senhor, disse a fada muito respeitosa.
- Como é que podereis curar as feridas feitas pela bruxa Ziripela aos meus dois filhos?
- Senhor eu sei toda a história, nada me passa despercebido neste reino, mas estas feridas foram feitas no momento em que os príncipes estavam transformados em caracóis, com o tal pote de barro.
- E depois, disse o rei muito impaciente.
-São feridas também com bruxedo, por isso eles necessitam de efetuar três proezas impressionantes para reunirem três objetos, que juntos, transformarão os príncipes em belos mancebos como eram então.
-E quais são essas proezas? Perguntou o rei.
-Perdoai senhor, mas tenho de consultar os meus ancestrais livros e voltarei daqui a dois dias.
A fada saiu, o rei retirou-se para os aposentos e os príncipes foram ter com as primas Pimpinela e Bimbinela que estavam a conversar com as namoradas dos reais rapazes, as princesas Bindoleca e Bindolica que eram irmãs gémeas. Quando viram os príncipes naquele estado, gritaram: - Ai que horror assim não casamos convosco e desataram a fugir. Os rapazes olharam pela janela as suas noivas a entrarem na carruagem e a partirem a toda a velocidade e começaram a chorar. Pimpinela e Bimbinela faziam-lhes festas e consolavam os pobres desgraçados que com tanta lágrima aumentavam as feridas.
O s príncipes muito chorosos e fatigados retiraram-se para os aposentos. O tempo passava, a noite já ia alta e a tristeza não os abandonava.
Que triste sorte a nossa, Catrapuz! - disse Alcatruz com voz muito triste. São desgraças atrás de desgraças. Agora que eu já estava a pensar na nossa lua de mel no palácio dos nossos primos, no reino do Sião, é que nos acontecem estes contratempos todos.
Como vamos convencer as gémeas Bindoleca e Bindolica a continuar o noivado? Já sei o que vamos fazer - disse Catrapuz cheio de entusiasmo . Vamos falar com o barbeiro do reino para ele nos colar um pouco de pele de tripa de borrego, para disfarçar as feridas.
Mas mesmo que o barbeiro tenha sucesso, como vamos evitar que o nosso pai fale aos urros, apesar de eles serem reais… Ó Alcatruz só vês coisas negativas na nossa vida! Enquanto animava o irmão, Catrapuz teve uma ideia brilhante para recuperar o amor das noivas:- pedir ao mordomo do palácio para organizar um chá das cinco, com aqueles bolinhos de sementes que são oferecidos às noivas para que elas vejam os noivos mais bonitos.
Alcatruz recuperou o ânimo e acreditou que seria possível ter de novo o amor das noivas com os bolinhos milagrosos, tal como tinha acontecido com o tio Feiorolas, que acabou por casar com a tia Dengozina.
Alcatruz continuava a ver nuvens a pairar sobre eles e não resistiu a acinzentar o dia. Está bem Catrapuz vamos acreditar que o chá e os bolinhos dão resultado, mas ainda não deste solução para o nosso pai poder participar: -como vão as nossas noivas aguentar os urros?
Claro que o Rei Foribundo IV, que sempre tinha sido um déspota e governado o reino com mão de ferro, estava consciente que não podia continuar aos berros e aos urros. E não andava nada contente, não só por ter a escova de dentes entalada nas reais goelas, o que para além de constantemente lhe fazer cócegas, também o impedia de falar claramente, mas triste também pela triste figura com que os seus filhos se apresentavam na Corte.
O rei já se apercebera das dificuldades que o seu escriba tinha em entender os seus urros. E começava a ficar preocupado com o que ele escrevia e anunciava depois no palácio e ao reino, pois poderia não ser nada do que ele, o rei, tinha dito mas a interpretação que o escriba tinha feito dos seus urros. E isso poderia ter resultados muito funestos, pois até a independência do reino poderia estar em perigo, e o primo Frenesim aparecer a exigir a sua resignação, por estar incapaz de governar, já que da boca só lhe saíam urros e não falas.
Os filhos tinham voltado a ser homens a tempo inteiro, tinham conseguido, pelos seus meios livrar-se do feitiço que ele próprio lhes tinha arranjado, o que mostrava que não eram totalmente tontos, mas estavam ainda tão feridos e feios aguardando a cura prometida pela fada mestra do reino, a fada Josebela, e tão angustiados pela perda das noivas, que pouco o poderiam ajudar, tanto mais que não entendiam os seus urros e berros.
Alcratruz com as orelhas apenas presas à cabeça por finíssimas membranas estava horrível. Ele que até era um bonito rapaz estava ridículo com aquelas coisas penduradas de cada lado da cabeça. Valia-lhe os emplastros que lhe tinham colocado para manter as orelhas no sítio próprio, mas para segurá-los tiveram que passar-lhe uma ligadura pela cabeça e pelo queixo, o que lhe dava o aspecto de ter os "queixos apertados" por estar com dores nos dentes. Também a audição era quase nula. Os sons para entrar nos ouvidos tinham que trepar pelas finíssimas membranas e chegavam, ou melhor não chegavam, ao ouvido apenas ruídos. Por um lado isso era bom pois deixara de ouvir os urros do pai…
Catrapuz também não estava nada bonito, o nariz esborrachado, parecia uma bolacha que tivesse errado o percurso e em vez de entrar na boca tinha ficado ali presa. Toda a cara não tinha a cor rosada habitual, mas era roxa e negra, com altos e baixos. Claro que aí não fora possível colocar emplastros mas apenas cremes que ainda por cima faziam com que tudo na sua cara brilhasse.
Na verdade não é de espantar que as suas noivas Bindoleca e Bindolica se tivessem assustado e fugido a sete pés, provando mais uma vez que nem sempre o amor resiste a tudo…
O rei acordou um dia ainda mais incomodado e com uma angústia que não conhecia. Chegou a pensar que estava doente e que a culpa era da escova entalada nas goelas e achou que era urgente chamar o médico de serviço ao palácio para tratar do caso.
Mas o que ele sentia, sem saber, eram "remorsos" pelo que tinha feito aos filhos e estava "arrependido". Ora naquele reino em que fadas e bruxas vivem em quase sâ camaradagem, quando uma faz mal, a outra faz bem e vice versa, não havia espaço para remorsos ou arrependimento, sentimentos esses de quem ninguém ainda tinha ouvido falar. Assim o rei decidiu, naquele momento, que iria chamar o grupo de sábios pois queria saber mais do que se passava consigo e se seria bom que o reino passasse a usufruir desses sentimentos.
Entretanto a fada Josebela convocara todas as fadas do reino e em muitas horas de debate tinham chegado a conclusões brilhantes para curar os príncipes.
Os príncipes retiravam-se para os seus aposentos e passavam horas a conversar sobre as suas infelicidades, reviam todas as suas tristezas, e preocupações e choravam por terem um pai tão cruel que os fizera sofrer tanto. As noivas Bindoleca e Bendolica não mereciam o seu amor. Fugiram e não fizeram nada para os confortar.
Para que sofrer mais? Tinham sido bons estudantes. O Catrapuz era muito bom em humanidades, medicinas, línguas e diplomacias. O Alcatruz dedicara-se mais às economias, ao cultivo das terras, à construção de caminhos , casas, escolas e hospitais. Queriam os dois tor-nar as pessoas do reino mais felizes e fazer prosperar as riquezas naturais e o modo de alcan-çar o conhecimento para atingir maior progresso.
Mas como, se estavam tão feios que assustavam as pessoas e até as noivas? E se fugissemos, dizia o Alcatruz ? E se fossemos para fora ao encontro de outras pessoas? Já vi nas feiras e nos mercados, gente feia, aleijada mas com ar feliz. E eu já vi muitas famílias com filhos e velhinhos à volta a trabalharem.
-" Embora Alcatruz -"Embora Catrapuz. Vamos arranjar uma CARROÇA e ala que se faz tarde!
Quanto mais depressa melhor!. Experimentar não custa e podemos regressar... Assim fizeram ,desceram aos pátios interiores e falaram com um rapaz que guiava as carroças que saiam logo pela manhã, ao nascer do sol, para se abastecerem de alimentos para os habitantes do castelo. Eram amigos de brincadeiras desde crianças e pediram-lhe que não contasse nada a ninguém. Queriam dar uma volta para conhecer o reino . Prepararam um saco com roupas simples, botas e sapatos para andar no campo ,dois chapéus e dois bonés para resguardo e esconder as mazelas do nariz e das orelhas, uns lenços para atar ao pescoço e tapar o nariz, lápis para escrever, folhas de papel, caneta de aparo e frasco com tinta e ainda um farnel para o caminho e dias seguintes.
Procuraram algum dinheiro que tinham amealhado , partiram na carroça com o rapaz que lhes deu algumas instruções na forma de conduzir o cavalo e de o alimentar e mandaram-no de volta depois de lhe substituirem o carro e o cavalo com parte do dinheiro que levavam.
Resolveram mudar de nome para não serem reconhecidos. Assim o Catrapuz passou a chamar-se Sabichão e o Alcatruz seria Primoroso.
Olhavam com curiosidade os terrenos por onde passavam, analisavam o tipo das pessoas nem bonitas nem feias, normais e todas andavam nas suas vidas e ocupações . Pela tarde chegaram a uma quinta agrícola, dirigiram-se a homens que lhes pareceram serem feitores, apresentaram-se e ofereceram o seu trabalho. Iam vestidos com simplicidade e levavam nas cabeças o boné do Catrapúz e o chapéu do Alcatrúz para ocultarem a cabeça e as orelhas e não as mostrarem
Resolveram escrever um livro a que deram um nome duplo, pois destinava-se a ser desenvolvido e consultado pelos dois em dois tomos distintos
O LiVRO DA BOA CONDUTA __ Trata das pessoas, das humanidades do ler, da música, do gosto pelo saber
O LIVRO DO B E M FA Z E R __ Trata das coisas das pessoas, dos meios para alcançar os fins concebidos
Enquanto o Sabichão visitava pessoas doentes e ensinava nas escolas, o Primoroso fazia contas, fazia cálculos, ensinava a construir casas e armazéns para guardar e recolher cereais, frutos, e alimentos para os animais. Criou galinheiros ensinou a utilizar cavalos e bois e tudo prosperava.
Plantaram florestas, desenvolveram as pescas nos rios e toda a gente ia prosperando e aprendendo a ensinar e ajudar outras pessoas, imitando estes dois homens cheios de amor e de qualidades que eram amados e respeitados
O Sabichão conheceu uma linda e educada jovem de muito boas famílias, filha de um professor de novas medicinas e que o ajudava muito em todos os seus trabalhos e projectos. Leis, escolaridade, artes, saúde e resolveram casar, com muita alegria para amigos e familiares.
O Primoroso tinha encontrado também uma companheira ideal em beleza , e inteligência filha de um grande e generoso empresário .Ajudava nas contas e nos cálculos no escritório onde desenvolvia a sua actividade. Resolveram também casar. Os dois irmãos contaram às suas noivas a historia das suas vidas. Elas aceitaram e compreenderam o seu afastamento da família e prometeram amá-los e ajudá-los no reencontro e no perdão ao seu pai.
Casaram os irmãos no mesmo dia, numa festa que juntou as duas famílias. Chamavam-se as jovens Graciosa e Preciosa
O pai da Graciosa, o professor de novas medicinas tinha reparado no nariz e nas orelhas dos dois irmãos. Chamou-os e ofereceu-se para lhes corrigir os defeitos Já nessa altura estavam para nascer os primeiros bébés das duas futuras mães. Assim foi simultâneo o nascimento duma menina da Graciosa, que teve o nome de Doçura e no mesmo dia nascia da mãe Preciosa ,um menino que se chamou Venturoso.
Catrapuz e Alcatruz choraram de alegria por terem realizado o terceiro objecto do amor , alcançado pela sua coragem em começar de novo com a carroça , atingir a segunda proeza com a criação do livro do bem saber e do bem fazer e a terceira proeza com o amor e a criação dos filhos que tinham nascido exactamente ao pôr do sol, na hora de quebrar o feitiço da bruxa e deixarem finalmente de ter restos das lesmas.
Os pais cansados pelas emoções dos nascimentos foram descansar e de manhâ quando se viram ao espelho acharam-se belos e perfeitos como os príncipes Alcatruz e Catrapuz
Algum tempo antes quando o rei Furibundo IV chorava, de tanto soluçar sentiu que se desprendia das suas cordas vocais a escova que tanto o tinha atormentado.
Poderão reencontrar-se e perdoar-se pai e filhos ou é preciso esperar para ver como procede este rei? Que se teria passado na corte do rei durante a ausência dos filhos?
FIM DO II EPISÓDIO
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