domingo, 25 de março de 2012

O dia mundial da poesia comemorado um pouco tardiamente, mas nunca é tarde para um poema...


O LIVRO E O DESTINO DAS CASAS

A história abriu o livro de todos os assombros

e desceu à rua para perguntar de que cor

é a luz que ilumina as praças, que incendeia as vozes.

Nunca esse livro se abrira assim, tão ousado e grave,

muito antes de se conhecer a palavra fim.

Este livro sobreviveu às labaredas de Alexandria,

aos holocaustos da palavra e do corpo,

ao terror dos meninos nas caves sem pão,

nos escombros do inferno da noite,

à fúria dos algozes e dos inquisidores,

às chamas vorazes de todos os autos-de-fé.

Por isso é um livro único como únicas são

as grandes palavras comovidas

que não sabemos usar quando queremos falar

do sono dos filhos, dos netos, de todos

aqueles que amamos por serem o conforto da alma

agora e na hora dos nossos medos.

O livro está aberto à nossa frente

mas apressa-se a avisar que não tem resposta

para nenhuma das perguntas

que, em sobressalto, nos queimam a boca.

É um livro autêntico e límpido

como as águas dos rios que correm em nós.

É um livro valente e sábio. É um livro feito

à medida dos mapas onde a história se escreve,

mas nada sabe sobre o que está para vir.

É somente um livro aberto,

com pétalas, conchas e lágrimas de chuva,

com o ladrar nocturno dos cães

enrodilhados de frio na soleira das portas.

E é então que a mão vira a página

e pousa numa frase intrigante,

num verso de métrica esquiva,

pedindo à história, sem timbre de súplica:

“Deixa-me falar por ti na hora

em que a serenidade voltar às nossas casas”

José Jorge Letria

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