Daniel Oliveira (www.expresso.pt)
8:00 Quarta feira, 9 de maio de 2012
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Com o sistema eleitoral grego, que dá 50 deputados extra (num parlamento de 300) ao partido mais votado, para facilitar a construção de maiorias, tornou-se quase impossível formar um governo. A esquerda, que estaria em maioria sem este bónus para a Nova Democracia (teria 138 deputados em 250) não consegue formar governo. A direita, que não pode enfiar os neonazis no executivo, também não. Os partidos prótroika, com apenas 32%, não têm, mesmo com o bónus, deputados que cheguem (falta-lhes um). Os partidos antitroika, divididos entre a esquerda e a direita, podem concordar na economia mas discordam em tudo o resto. Entre eles não há governo. Ou seja, a engenharia eleitoral para garantir a "estabilidade", que por cá também tem adeptos, impediu a estabilidade e pode obrigar a novas eleições.
Se acontecerem, as novas eleições ocorrerão num cenário completamente diferente. Feito o voto de protesto e compreendida a situação de ingovernabilidade em que a Grécia ficou, será a vez dos gregos votarem a favor de qualquer coisa.
O Syriza (o Bloco lá do burgo), que ficou em segundo lugar, começa já a pensar nos entendimentos pré-eleitorais, tentando juntar à sua volta partidos de esquerda que não conseguiram ultrapassar a barreira dos 3% para serem eleitos e a Esquerda Democrática, resultado de uma cisão europeísta do próprio Syriza e de uma cisão do PASOK contra o memorando. De fora ficarão os comunistas ultraortodoxos do KKE, que nem para participarem num governo de esquerda se mostraram disponíveis. Pagaram nas eleições o preço do seu sectarismo histórico (numa votação onde a derrocada do PASOK distribui votos por quase toda a gente, nem 1% subiram) e, caso haja nova votação, podem sofrer um castigo de quem quer ver aplicada na prática uma alternativa ao memorando.
Se houver novas eleições, elas não serão fáceis para os partidos que se opõem à austeridade. São de esperar todas as chantagens externas. Basta recordar como o primeiro-ministro do PASOK caiu, quando, num súbito ataque de espírito democrático, quis ouvir os gregos. Foi imediatamente substituído, a mando da troika, por um tecnocrata. Neste domingo tiveram a resposta. Mas se pelo menos parte da esquerda se conseguir juntar, pode sonhar com um primeiro lugar, para ficar ela com o bónus de 50 deputados e, com os socialistas, poder formar governo. Mas mesmo isso não será fácil. Alguém terá já descoberto uma forma de o impedir: o bónus de 50 deputados apenas pode ser dado a partidos e não a coligações.
Com uma situação económica e social deplorável, um ambiente político degradado e a Europa determinada a não deixar os gregos sobreviver, não se espera que o seu espaço de manobra seja animador. Mas seria, se acontecesse, um interessante teste para a esquerda. Na Grécia, transformada pela austeridade num Estado quase falhado, é difícil que fique pior.
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