Quando eu fiz inquéritos na Lever ainda jovem, conheci a Clara, era bonita e alegre. Tinha uns olhos verdes grandes e impressionantes. Foi uma das minhas madrinhas do meu primeiro casamento. Esta semana morreu. Não a via há perto de quarenta anos, pois cada uma seguiu a sua vida quando eu deixei de fazer inquéritos, saí da Lever e acabei a minha licenciatura. Vidas diferentes, objectivos e carreiras que não tinham nada em comum. Em 2008 encontrámo-nos num almoço com mais amigas, umas que também já não nos víamos há longa data e outras que continuei a conviver. Vimo-nos mais uma vez num almoço de Natal e depois acabou. Voltámo-nos a reunir várias no velório. Triste local para encontros. Falámos da vida e da morte. Debaixo da terra apavora-me ir, quando chegar a minha altura, cremada também não me agrada lá muito, se calhar vou entregar o meu corpo à Faculdade de Medicina para quando eu morrer me virem buscar e assim posso ser útil à ciência, agrada-me mais a ideia de ficar num gavetão congelada durante uns tempos. Duas amigas minhas já o fizeram, assinaram a autorização e receberam uma carta a confirmarem a doação do corpo. Quando morrerem não há velórios, não há funerais, nem têm despesas os meus descendentes. Um funeral é qualquer coisa horrível para os que cá ficam, prometi a mim mesma pensar no assunto.
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