terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Às vezes olho-me ao espelho

Às vezes olho-me ao espelho mais atentamente e vejo as rugas instalarem-se comodamente no meu rosto. Até agora não tem tido grande importância para mim e como não me pinto só o faço para ocasiões especiais, a pele ainda está razoável. Envelhecer é triste se esse envelhecimento vem acompanhado de dor e doença, mas é sempre triste digam lá o que disserem, no entanto o mais importante é encarar a velhice de frente e tratá-la como uma amiga. Os olhos têm mais peles, paciência, são no entanto mais argutos na observação do mundo que os rodeia, os lábios estão mais descaídos, claro que têm de estar, deram durante mais anos beijos do que as pessoas mais novas, o cabelo está mais fraco e os brancos começam a aparecer, dá-se um pouco de cor e corta-se mais curto, a cara até fica mais nova, os carrapitos ou as chamadas bananas envelhecem e os cabelos cortados à tropa também não favorecem as caras das mulheres mais velhas. Os músculos dos braços estão caídos, pois claro que estão, já não se pode dizer adeus com os braços levantados porque tudo abana, diz-se adeus com um grande sorriso e os braços quietos. O peito está descaído, pois está, tantos filhos se alimentaram aí, nesses acochegantes tufos de carne, para que não tivessem doenças, agora só resta comprar um soutien que as puxe para cima, tipo pequena grua, para disfarçar, mas simples sem ser daqueles até ao estomago, para podermos respirar bem. Fazer mamas novas com silicone, corremos o risco de quando estivermos velhas decrépitas, termos aquelas bolas todas direitas, e os estrondos que darão quando formos cremadas? Temos barriga e pneus, claro que temos que ter, tanto filho a nascer e tudo a alargar, uma cinta, não muito apertada, porque se apertamos muito em baixo saí tudo por cima, sempre disfarça uma pequena cinta, temos varizes nas pernas, devemos tratá-las e depois no inverno usamos collants de cor, pretos, castanhos, azuis escuros, ficamos catitas. Sofremos dos joelhos, paciência são as artroses que nos visitam quer queiramos quer não, são osso sobre osso, não devemos deixar de sair por causa disso, arranjamos um banquinho daqueles de caça como eu tenho que até servirá de bengala mais tarde e lá vamos nós para todo o sítio, quando estivermos cansadas abrimos o dito banco e sentamo-nos. Os joanetes apertam os pés, olha que novidade, tantos quilómetros andados ao longo da vida, compra-se um bom sapato de marca, aí não devemos economizar, sapato confortável e ala que se faz tarde. Ah é verdade, devemos usar malas pequenas, só com o indispensável, sejam elas malas de mão ou de viagem. As de viagem até devem ser daquelas que se levam no avião para não se estar à espera. Atenção, deve-se usar sempre um bom creme de dia e limpar muito bem o rosto à noite e usar creme de protecção no verão quando está sol. Se não temos muito dinheiro o velho creme Barral é bom e dura bastante tempo. Uma água de colónia fica sempre bem depois do banho, a velha Lavanda da Ach Brito vende-se aos litros, a Casa Portuguesa ao pé do Governo Civil de Lisboa tem à venda e a loja da Casa das Histórias da Paula Rego em Cascais também. O vestuário deve ser o mais prático possível, tipo como me dizia há muitos anos um aluno meu «a stora veste à aluna, as outras storas vestem à professora» e o que isto quer dizer ? Quer dizer isto: de inverno saias, camisolas de lã com coletes de lã, tudo dos mesmos tons, de vez em quando um lencinho ou um cachecol ou mesmo uma boina, collants e sapatos baixos ou altos de tacão grosso, capa ou canadiana. De verão saias frescas com blusas lisas sem mangas, com coletes coloridos ou blusas brancas, sandálias e por vezes lenços, vestidos de uma só cor e sapatos de tacão baixo para alguma cerimónia. O que é essencial são sempre muitos colares, para mim os colares são peças de vestuário, brincos também, anéis e pulseiras, mas não podem estar postos todos ao mesmo tempo pois a pessoa pode parecer que há árvore de Natal todo o ano. Um baton de brilho, cor-de-rosa o máximo e as unhas arranjadas com brilho assim como as unhas dos pés, no verão. Já usei unhas de gel nas mãos e não gostei da experiência. O essencial quando chegamos a uma determinada idade é não estarmos tão arrranjadas, tão produzidas que podemos parecer umas peruas: os cabelos armados com laca, a cara tão pintada que parece uma máscara, ou vestuário tão pesado que em vez de disfarçar a idade aumenta. Eu vou apresentar aqui de vez em quando aquilo que eu acho jovem para uma mulher que está a envelhecer, ah claro que quem tem corpo para calças de ganga ou outras, sempre. Por causa de estar a falar disto vou ao cabeleireiro amanhã fazer um corte e pintar, mas tenho sempre muito cuidado com a tinta que uso, só produtos naturais, não quero correr o risco de ficar careca ou então com cabelos tipo piaçaba, como infelizmente já vejo muitas mulheres com eles assim, de tanta tinta com má qualidade. Peles nem pensar, tudo sintético ou então daquelas que não são de animais de cativeiro, como na Argentina que aproveitam a pele da vaca. Os animais em cativeiro são um atentado à natureza, para se fazer um casaco de vison são necessários dezenas de animais que por vezes são criados em condições desumanas. Todos os casacos de pele que herdei despachei-os a grande velocidade. Uma mulher que envelhece com respeito pela diversidade e pela natureza, procurando o equílibrio ecológico em tudo, de certeza envelhece de uma forma mais sábia. Um dia no estrangeiro onde eu estava a fazer um estágio fui jantar mais uns colegas desse mesmo estágio a casa de uma representante do nosso país, que tinha uma mãe muito velha, tipo perua rica que não se calava, tipo picareta falante, criticando tudo e todos. Quando a mãe se foi deitar, a filha pediu-nos desculpa dos despautérios da sua mãe e disse esta frase terrível: os velhos (as velhas) só se aguentam se forem ricos (ou ricas) ou sábios (sábias). Terrível não é? Pobres ou ricos, velhos e velhas de todo o mundo uni-vos na sagesse.

2 comentários:

T disse...

Belo texto e revejo-me em muito do que disse. Poucas mulheres têm coragem de serem tão honestas e francas.

Luna disse...

Cada vez mais na nosso sociedade as pessoas tem dificuldade de aceitar a velhice, tanto a própria como a dos outros, mas a verdade é que se não morrermos primeiro todos lá chegaremos,é algo normal tudo tem um principio e um fim deveríamos aceitar isso como normal, pode não ser fácil vermos que muitas faculdades se vão perdendo, mas é normal, como normal deveria ser os mais novos terem esse entendimento, estarem preparados para que um dia lhes vai acontecer, ainda que possam recorrer á estética para se enganarem a eles próprios as suas células vão definhando.
beijo