O problema é ela ser muito possessiva, dizia Lyn a amiga chinesa de Margarida, ela queria dizer (ele). A lingua chinesa não emprega o masculino qundo se refere ao homem? Era uma interrogação que a Margarida fazia sempre que saía com a sua amiga Lyn, mas não ficava bem perguntar. Mas se calhar ele gosta muito de si, disse.. Sim ela diz que sim, mas também diz que eu sou frio, acha a Margarida, que eu sou frio?Não Lyn para mim não é, aqui ela usa o termo frio referindo-se a uma mulher, pensava Margarida, não acho. Lyn, isto o que é? Isso é para fazer cozidos a vapor em casa. Ai que bom, o que eu gosto de cozidos a vapor, pensava Margarida no meio daquele Armazém Chinês do Martim Moniz. E estes sacos têm o verdadeiro arroz chinês? Sim claro, aqui tem tudo que chinês necessita. Preciso é de uma panela para cozer o arroz. Também tem cá, exclama Lyn admirada e rapidamente na sua língua materna pede a um dos dez ajudantes que trouxessem uma panela. Parece-me mesmo boa, diz Margarida contente. E isto o que é? Apontando para minúsculos pedaços de carne agarrada ao osso. Isto é entrecosto frito, responde a empregada num razoável português. Porque é que os pedaços são tão pequenos? Os chineses comem tudo cortado em pequenininho, respondeu Lyn, vocês não? Bem, não tanto e Margarida lembrava-se das travessas de cozido à portuguesa no quiosque, às 6ªs feiras. As portuguesas gastam muito, eu acho, diz Lyn empertigada. Talvez.....de repente, no carro de Lyn, estavam a ser postas as compras devidamente acondicionadas pelos dez ajudantes do armazém. Totché, obrigado, dizia Lyn, em meio português, meio chinês...já no caminho de regresso, Lyn voltou à carga. Ela é muito possessiva, mas elas acham todas que eu sou muito independente e frio. Têm medo, arriscou Margarida.Sim, ela até disse ontem, se eu te desse um anel e te pedisse em casamento tu ficavas zangada, porque não sei se gostas de mim. Está a brincar, Lyn relatava o sucedido com voz zangada, então o que é que eu estou aqui a fazer, se está em minha casa e eu a perder tempo consigo é porque gosto de si, mas a intimidade leva tempo. Com os portugueses, não é assim, disse-me ela (ele), continuou Lyn. Ai não, então como é que é (respondeu a Lyn a ela (ele)? As pessoas apaixonam-se e pronto... , disse ela (ele). Com chineses não, disse-lhe eu (A Lyn)e já estava stressada com a conversa e acrescentei, tem que respeitar, as pessoas conhecem-se e levam tempo e depois a intimidade para casar é quando já há grande conhecimento...isso é porque tu és frio, disse-me ela, e eu respondi, disse-me agastada Lyn, se sou frio porque é que não se vai embora? E ele? Perguntou Margarida curiosa. Ela foi embora. Já a outra era assim e ainda por cima a mulher dela telefonava-me. Oh Lyn, você com a sua profissão e o seu estatuto porque é que não procura um chinês ao seu nível que compreenda o seu espirito independente, ou outro estrangeiro, porque portugueses já se sabe, são inseguros e querem ser o centro das atenções, são filhos de mulheres carentes, blá, blá, divagou Margarida sobre a essência do homem português. Não Margarida, eu não posso casar com chinesa..Não pode casar com um chinês? Porquê? Porque sou divorciada..O quê? Qual é o problema? Um chinês que casa com uma mulher divorciada fica desonrado perante a família e os amigos. Diziam-lhe, olha para ele, nem teve categoria para casar com uma solteira, casou com o lixo. Lixo!!!! disse Margarida, abrindo a boca espantada. Sim, o pai de Lynsoi, minha filha, divorciou-se de mim e quando foi para a América e quis casar com outro, teve de casar com chinesa solteira. Então se quisesse casar com um chinês...Só se fosse empregado de mesa, atalhou Lyn, daqueles que não têm onde cair morto. E ainda por cima tinha de engolir tudo o que ele quisesse. Abriu a porta do condomínio fechado e com um olhar triste disse a Margarida: eu sou uma mulher em 2ª. mão para um chinesa e um objecto que se possue para um portuguesa.
Quando voltei a casa pensei, as circunstâncias dramáticas e preconceituosas que envolvem a mulher oriental, africana e da América Latina são a ponta de um iceberg que nós pouco sabemos e nada fazemos, olha para mim, casada três vezes, não sei o que seria na China, já estava em reciclagem nalguma ETAR. Abri a porta e a minha cadela saltou-me feliz e eu para alimentar a má consciência do pouco que tenho feito em favor destas mulheres, disse-lhe: scorfa, quando quiseres ter filhos, escolhes tu o cão seja de que raça for.
À noite contei o sucedido a um dos meus filhos, que me acompanhou noutras compras mensais, num dos muitos supermercados na vila onde vivo. Eram quase dez da noite e ele respondeu-me com voz suave, por tudo isso que me estás a dizer é que eu vou levar este livro sobre os Gulags - oprimidos estás a ver, e és tu que vais pagar. Não disseste que estavas de má consciência?
2 comentários:
há sempre um livro adequado a cada situação, anad ;) beijinho grande.
" ... olha para mim, casada três vezes, não sei o que seria na China, já estava em reciclagem nalguma ETAR "
Ana, fizeste-me rir ! :)) Só tu ...
bj*
Enviar um comentário