quarta-feira, 30 de abril de 2008

O BOATO - 2ª Cena cómica/trágica da sociedade em geral

De imediato, aparecem a sua colega Odete e a Dona Isidora, do arquivo, muito confrangidas. Oh senhor Gargarito, está tão amarelo! Odete, vai buscar um copo de água. Gargarito pensou para dentro 'Porra! O que é que eu faço para a merda desta tosse passar?' Mas em vez disso, sorriu para as colegas e disse: Estou tão agradecido pela vossa atenção, muito obrigado, muito obrigado e levantou-se rapidamente, enfiando-se no seu gabinete e fechando a porta. Tirou o sobretudo e o chapéu. Realmente estava um dia de frio. Devia ter passado por uma farmácia e comprado um xarope, mas ... talvez ... logo à noite, com leite quente e mel e qualquer paracetamol ... e suar muito! a minha mãe dizia 'suar muito cura'... e talvez um bocadinho de vick no peito eu esteja fino.' E tossiu outra vez. Quando se preparava para sentar, o chefe bateu à porta. Levantou-se de um jacto. Ó Gargarito, ouvi dizer que estavas doente? Ora esta, já está preocupado que eu não trabalhe... sim, porque os chefes - ho-ho - interessam-se mesmo pela nossa saúde... abriu a porta e disse com um largo sorriso: Oh, como está, senhor Andrade, não se preocupe, muito obrigado, isto é só uma questão de um dia ou dois, estava na casa-de-banho e apanhei uma corrente de ar. Claro, claro, e com esse corpinho ... o ar passou-te por uma das riscas do pijama, disse gargalhando o chefe Andrade. Gargarito gargalhou também e tossiu tanto, tanto que o Andrade saiu aflito e disse para a dona Odete: Cuidado, que este homem deve estar com uma gripe, daquelas gripes que se fala na televisão. Ah, não diga senhor Andrade, olhe que eu tenho crianças em casa, e ele pode-me pegar...Entretanto, outros colegas vão chegando. O senhor Ilídio, da contabilidade, a dona Ausenda, secretária, o paquete João, e a empregada de limpeza, dona Amélia. A confusão tinha-se instalado. O senhor Gargarito estava já com qualquer coisa grave nos pulmões. Dona Ausenda, de cinquenta e oito anos bem secos, usando uma moda da sua meninice e caminhando sempre graciosamente imitando passos de bailarina, bateu levemente à porta: Senhor Gargarito. Senhor Gargarito. Não será melhor fazer um Raio X? Gargarito fechou os punhos e disse suavemente: Não, senhora dona Ausenda, não se incomode, isto é só uma pequena constipação. Olhe que um dos sinais de cancro é muita tosse, como a sua. O paquete sussurrou para dentro da sala onde estavam Odete e Alzira: O senhor Gargarito tem um cancro. Ah, coitado, tão boa pessoa.O chefe Andrade passa pelo corredor e diz: Mas o que é isto aqui hoje? Estamos em reunião sindical ou quê? Não, senhor Andrade, murmura Dona Alzira, é que o senhor Gargarito está com uma doença muito grave. Uma doença grave? Diz dona Amélia, ajeitando a permanente, e fazendo um trejeito com a boca: Um cancro, quem havia de dizer...Cancro? - Ripostou o Matos do outro lado da sala. - com aquele corpinho é mas é uma tuberculose! Sim, deve ser nos pulmões... ele não se deve alimentar bem... - elevou-se um coro feminino - não tem mulher em casa ... é sozinho ...Andrade, sem mais delongas, entra abruptamente na sala de Gargarito e pergunta-lhe de frente: Gargarito, você está com uma doença grave e não me quer dizer?Gargarito olha espantado e de repente fica com o olhar turvo e responde, com muita firmeza: Claro que não! Claro que não! Pelo sim, pelo não, você fica dispensado hoje para ir fazer os exames necessários. Mas isto passa só com um copo de leite e mel! Com essa tosse? Nem pense.

1 comentário:

Pena disse...

Olhe, amiga, li o texto de ponta a ponta e fiquei fascinado. Como os populares expressam uma opinião tão veloz como a brisa do vento ou alcance da velocidade da luz.
É impressionante e bem real.
Duma simples tosse até cancro...!!!
Excelente. Aguardo o desenrolar da hilariante, mas interessante história.
Parabéns sinceros. Ri-me a valer.
Beijinhos

pena