domingo, 31 de maio de 2009

A realidade e a ficção no rosto de uma pessoa


Sempre a vi pintada. Excessivamente pintada. Cabelos sempre pintados. Excessivamente pintado. Queixando-se constantemente dos males dos ossos, não deixava de usar saltos altos. Sempre.
Os olhos excessivamente pintados, assim como as sobrancelhas e as pestanas e os lábios carnudos de vermelho vivo, de dia ou de noite. O rosto com muita base escura, porque era morena. Os vestidos muito espampanantes, sempre na moda, na versão possidónia, mas sempre na moda. Muito virada para si, muito obcecada pela sua imagem. Ela em primeiro lugar, os filhos e os netos e restante família em segundo. Infeliz é certo, de certeza. Profundamente infeliz com a vida que viveu, fruto das suas opções e da sua infância desvalida.
Há poucos dias foi parar a uma cama do hospital e outra pessoa apareceu aos olhos dos outros. Aquela que não usa pintura, que não pinta os cabelos, que não pinta as sobrancelhas, os olhos, as pestanas, os lábios e ainda por cima sem alguns dentes. É a realidade dura e cruel, a outra é a ficção ou uma outra realidade.
A pintura excessiva do rosto, a máscara que criamos para o exterior, os cuidados excessivos com o corpo, o silicone, o botox, tudo o que faz criar uma visão mais jovem e portanto fictícia, mais tarde ou mais cedo a dura realidade vem ao de cima.
Gostaria eu de ser mais magra, com aparência mais jovem, com um ar tão sedutor que quando entrasse em qualquer evento os olhares se dirigissem para mim? Não sei, com toda a sinceridade não sei, porque tudo é efémero. Lembro uma mulher muito bonita, que se arranjava muito bem e que vivia igualmente obcecada pela imagem. Hoje e porque a vida lhe foi adversa é a realidade
pura e dura que nós vemos e apesar de uma imagem agradável já tem no rosto as rugas e nas costas a corcunda como eu já a anuncio. Todas as vezes que se encontra com as amigas, constantemente recorda como era bela e como fazia segundo as suas palavras parar o trânsito.
A minha filha mais velha diz que estou a ser cruel, pois o desejo de ser bela até ao fim da vida era
fruto do contexto sócio cultural de muitas mulheres daquela geração e não só.
Hoje vence a ditadura da imagem, a beleza é uma forma de poder ou sempre foi, mas ao lado da beleza excessivamente tratada e com manutenção regular, aparece a humanidade de uma cama de hospital e a fragilidade do ser humano acima de tudo. E é da fragilidade que nós devemos ter compaixão.
Por tudo isto o que eu realmente gosto é do envelhecimento natural das mulheres do campo. E são belas.

2 comentários:

Ana Camarra disse...

Anad

Mesmo sem ser do campo, eu até admiro quem tem paciência para se cuidar sem exageros.
Por exemplo olhamos hoje para certas mulheres com a Gina Lollobriga e vemos que foram muito belas ou a Lauren Baccal.
olhamos para a Cher e é riduculo pensar ao que aquela melhor se tem submetido.
A minha tia Nini tem 80 anos, tem os mesmos olhos verdes fascinantes, pinta o cabelo, mas assim sem ser nada exagerado, tem aquelas faces de estrutura ossea quase perfeita, tipo a Michele Pfeifer, está coberta de rugas, claro, mas toda a gente diz "Esta senhora deve ter sido muito bonita!".
Por outro lado tenho outra familiar da qual não sei a cor natural do cabelo, conheci-a ruiva, loura, cabelo negro, vários tons intermédios, pinturas quase de guerra, pestanas postiças, roupas estravagantes, lentes coloridas para mudar a cor dos olhos, hoje parece uma bruxa....
daquelas dos livros aos quadradinhos.
Em tudo tem de existir equilibrio!

beijos

Pé na estrada disse...

Honestamente, gostaria de envelhecer como as senhoras que vejo no campo quando por lá trabalho. Apesar de algumas agruras na vida, vejo-lhes quase sempre um brilhozinho nos olhos, uma simpatia imensa e uma honestidade sem limites no seu olhar.
A ver o que o futuro me reserva...