quinta-feira, 12 de novembro de 2009

«Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.»


Hoje saí muito cedo de casa e bati às 9h30 à porta da minha sogra e da sua irmã, duas octagenárias que estão doentes, a minha sogra de oitenta e dois anos, recuperada de um enfarte e de um ombro partido recentemente, a irmã quase a rondar os oitenta, anda em exames para se descobrir a doença que tem, que é do foro neurológico e que lhe paraliza quase o andar.
Nestes últimos dois meses elas têm estado fechadas em casa, com o apoio das técnicas da Cruz Vermelha, que de manhã vão lavá-las e dar-lhes o pequeno almoço, ao meio - dia levam-lhes o almoço, ao fim da tarde dão-lhes o jantar e ajudam-nas a deitar. Ainda têm uma empregada que lhes faz a limpeza doméstica e lhes trata da roupa.
Durante estes meses não foram ao cabeleireiro, arranjar as unhas das mãos ou dos pés, elas que estavam a isso habituadas. Sentindo-as tristes e acabrunhadas resolvi dar-lhes uma prenda de Natal. Hoje numa cadeira de rodas a tia, e a minha sogra que felizmente pode andar, acompanharam-me a um antigo cabeleireiro da Ayer que elas conheciam, e que abriu o seu próprio negócio. De repente uma imagem atravessou-se na minha jornada, numa esquina uma senhora com um bébé num carrinho passou pela cadeira de rodas que eu transportava, era o encontro entre uma vida em flor e outra a definhar. Eros e Thanatos encontraram-se lado a lado. No cabeleireiro arranjámos o cabelo e fizemos o arranjo da unhas das mãos.
Foram três horas passadas a embelezar as idosas, depois fomos almoçar, felizmente na mesma rua do cabeleireiro, foram mais duas horas a entrar com a cadeira de rodas, a sentá-la, a cortar-lhe a comida em pequenos pedaços, a dar-lhe a bebida à boca. Depois fomos à calista arranjar os pés, mais umas tantas situações penosas de entrar e sair do prédio. Por fim levei-as a casa de táxi e o motorista foi um amor, levou-me a cadeira de rodas e ajudou-me a levá-las escada acima, felizmente moram num primeiro andar.
É tão triste o fim da vida, quando existe a doença, a tristeza e particularmente naquele caso que são pessoas muito pessimistas . Beijaram-me muito na despedida e disseram-me que eu era um anjo e eu não consegui confessar-lhes que era um anjo com cornos. Sentia-me cansada com imensas dores nos braços pelo transporte de um corpo imobilizado, para tanto lado.
Em mim existe um dilema, como tive uma vida cheia de responsabilidade profissional e familiar, sinto-me um pouco desgastada e sonhava com uma aposentação sem preocupações, claro que procuro fazer muita coisa que gosto, mas estas familiares do meu marido ficam sós se eu não as agarrar, pois tenho uma cunhada (filha de uma das idosas) com grandes responsabilidades profissionais, assim como o marido, e o meu conjugue ainda está a trabalhar a 1000 à hora. Embelezar idosas foi hoje o meu dia e elas estavam radiantes e eu quando fechei a porta sorri, mas tenho de confessar a verdade, a humanidade de que sou feita, cansada, muito cansada. Gostava de dizer como vejo em muitos blogues que tudo é lindo, maravilhoso, os passarinhos fazem piu-piu e as pessoas sentem-se gratificadas com tudo o que fazem mesmo que seja penoso, mas o que é certo é que me canso.
Se me disserem «queres ir ler um pouco para uma idosa ou idoso» eu vou com toda a alegria, actividades que não pressupõem esforços fisicos intensos, contem comigo, pois eu durante os 41 anos de vida profissional (e ainda este ano no dia da Árvore e no dezoito de Maio dia dos Museus, tive actividades com crianças e idosos) todos os anos tive múltiplas actividades com idosos, crianças, jovens, populações de diferentes etnias: africanos, ciganos, com gentes do leste e de Timor para os quais promovi um curso de ensino de português.
Agora queria ser livre, livre e não consigo ser, a minha consciência cívica impõe-me certas actividades que em termos fisicos são-me penosas. Gostava de encontrar no final de as realizar uma satisfação plena e não sinto, pelo cansaço que tenho no corpo, mas penso sempre numa frase de Teresa de Calcutá : Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.

1 comentário:

gaivota disse...

está-te no sangue, amiga, e conseguires ajudar tão intensamente o próximo, os menos valorizados, é muito bom!
e uma gota de água, por vezes, é a diferença!
beijinhos